Com a edição do Decreto-Lei nº 200/1967, que possibilitou a contratação de serviços terceirizados pela Administração Pública, houve um crescimento no segmento empresarial privado de terceirização, aumentando exponencialmente a oferta desse serviço no mercado. Esse aumento gerou uma preocupação coletiva nos gestores públicos das entidades contratantes em relação à efetiva garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores que integram o contrato.
Diante deste cenário, como uma resposta à nova problemática, a Conta-Depósito Vinculada foi criada pela Administração Pública como meio de mitigar os riscos atrelados à contratação dos serviços terceirizados de mão de obra exclusiva, mais precisamente sua responsabilização subsidiária em caso de eventuais condenações na Justiça do Trabalho. Essa medida visava resguardar a Administração de encargos trabalhistas e previdenciários eventualmente inadimplidos.
Assim, o instrumento em discussão teve sua gênese durante a vigência da Instrução Normativa SLTI-MPOG nº 02/2008, a partir de estudos iniciados pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Posteriormente, foi ratificada pela Portaria nº 409, de 21 de dezembro de 2016, e finalmente positivada e instrumentalizada com a IN nº 05/2017 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Essa normativa previa expressamente em seu texto a possibilidade de provisionamento de valores para o pagamento das férias, 13º (décimo terceiro) salário e verbas rescisórias aos trabalhadores da contratada, que serão depositados pela Administração em conta vinculada específica[1].
No entanto, apesar da intenção da Administração Pública, é importante destacar que a exigência de operacionalização da Conta-Depósito Vinculada como garantia nos contratos administrativos celebrados com base na Lei nº 8.666/93 suscita alguns questionamentos, podendo ferir diretamente o Princípio da Legalidade Administrativa e dificultar consideravelmente a execução do contrato, tornando-o excessivamente oneroso para o Contratado.
Verifica-se, a partir da exegese do art. 56 da Lei nº 8.666/93, que a autoridade competente poderá exigir, a seu critério, apenas UMA das seguintes modalidades de garantia do contrato: I – caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública; II – seguro-garantia; III – fiança bancária, que não excederá 5% do valor total do contrato. A finalidade dessas garantias é justamente execução e adimplemento de todas as obrigações estipuladas no contrato, incluído o cumprimento dos encargos fiscais, trabalhistas e previdenciários a ele inerentes.
Neste contexto, a ilegalidade mencionada resta configurada na ausência de previsão em lei para operacionalização e exigência do instrumento da Conta Vinculada como asseguradora da execução dos contratos com a Administração Pública indireta, criando, desta forma, através de uma Instrução Normativa, nova modalidade de garantia contratual à exceção das já previstas na Lei nº 8.666/93.
Neste ponto, abrindo um parêntese na questão de ausência de previsão legal, embora não se desconheça que a nova Lei de Licitações e Contratos nº 14.133/2021 trouxe em seu bojo a Conta Vinculada como uma das modalidades de garantia do contrato, tal disposição não se aplica aos contratos celebrados com base na lei anterior – que ainda vigora e regula a maioria das relações contratuais em execução –, sendo ilegal a exigência nestas contratações.
Apesar do exposto acima, como se não bastasse a escolha de uma das garantias legais, os gestores de contrato têm utilizado cumulativamente o instrumento da Conta Vinculada, tornando a garantia do contrato extremamente excessiva e interferindo diretamente na gestão interna da empresa contratada, o que não se pode admitir.
É neste sentido que se posicionou o jurista brasileiro Marçal Justen Filho[2] ao comentar sobre o Instrumento em debate, discorrendo que sua exigência é ilegal, ao passo que não existe fundamento legislativo para a sua instituição, não sendo cabível que sejam ampliados os encargos do particular, criando-se uma situação de maior onerosidade.
O impacto subjetivo que o instrumento causa nos contratos de serviços terceirizados de mão de obra exclusiva resta configurado na medida em que a retenção nas faturas mensais acaba produzindo uma espécie de duplicação do pagamento das obrigações trabalhistas e previdenciárias inerentes ao contrato, posto que o particular precisa ter disponibilidade de caixa para adimplir com todos os encargos, enquanto os valores para tal são retidos mensalmente na fatura e liberados somente após a comprovação de sua quitação.
Desta maneira, se o sujeito não tem disponibilidade dos recursos financeiros em caixa, é inevitável que haja o inadimplemento das obrigações contraídas, tendendo a tornar inexequível o escopo do contrato e, consequentemente, impactando permanentemente a saúde financeira das empresas, principalmente aquelas que fornecem serviços terceirizados de mão de obra continuada.
Por fim, selando a discussão quanto a inviabilidade jurídica do instrumento debatido, sabe-se que uma Instrução Normativa é um ato expedido por determinada autoridade competente, que visa apenas disciplinar a execução de uma Lei, Decreto ou Regulamento, e, por esta razão, NÃO poderá inovar ou ultrapassar os limites estabelecidos na norma que pretende complementar, no sentido de atribuir efeitos e impor novas obrigações e penalidades a terceiros.
Ratificando este entendimento, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que ato normativo não pode inovar o ordenamento jurídico, sob pena de violação ao art. 5º, II e 37, caput, da Constituição Federal, conforme recentemente aduzido pela Ilustre Ministra Nancy Andrighi[3]: (…) o ato normativo não pode inovar no ordenamento jurídico. Isto é, não pode, por exemplo, impor obrigações ou penalidades não previstas em lei, sob pena de violação ao art. 5º, II e 37, caput, da CF.
Assim sendo, considerando: 1) a inexistência de previsão em lei quanto à exigência da Conta-Depósito Vinculada como garantia contratual, cotejado com; 2) a impossibilidade de Instrução Normativa inovar ou ultrapassar os limites estabelecidos na norma que pretende complementar; e 3) o consequente desequilíbrio contratual causado pela onerosidade excessiva imposta aos contratados; conclui-se que a utilização do instrumento nos contratos administrativos celebrados com a Administração Pública indireta, fundamentados na Lei nº 8.666/93, afronta diretamente o Princípio da Legalidade Administrativa, cabendo às Empresas afetadas pleitearem individualmente o provimento jurisdicional para liberação de todos os valores bloqueados para movimentação.
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[1] Art. 19-A. (…) I – previsão de provisionamento de valores para o pagamento das férias, 13º (décimo terceiro) salário e verbas rescisórias aos trabalhadores da contratada, que serão depositados pela Administração em conta vinculada específica, conforme o disposto no Anexo VII desta Instrução Normativa; (Redação dada pela Instrução Normativa nº 6, de 23 de dezembro de 2013)
[2] Justen Filho, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos [livro eletrônico]. 2.ed. – São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2016. 14,1 Mb; PDF.
[3] (STJ – REsp: 1969812 MG 2021/0337472-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/03/2022, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/03/2022)
Artigo escrito por:

Carlos Franklin
Advogado na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
carlos.franklin@monteiro.adv.br