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A indevida tributação do Hold Back em contratos de concessão automotiva

No direito brasileiro, a base da relação comercial entre a montadora (“concedente” ou “marca”) e a concessionária está veiculada na Lei nº 6.729/79 (“Lei Ferrari”), que é específica ao segmento de veículos terrestres.

Dentro da relação montadora-concessionária existem previsões legais, estabelecidas pela referida lei, que pretendem estruturar e garantir a competitividade do ambiente de concessão[1]. Dentre elas, por exemplo, há a garantia da uniformidade nas condições comerciais impostas aos concessionários de uma mesma montadora, que, para além da previsão legislativa, ainda encontram resguardo em convenções de marca ou no próprio contrato privado de concessão.

No entanto, para além das previsões trazidas pela Lei Ferrari, há certos instrumentos negociais que são comumente vistos em contratos de concessão de veículos, e que derivam da livre negociação entre as partes. Por óbvio, eles dependerão dos objetivos comerciais de cada marca – isto é, diminui-se o preço final às concessionárias caso se queira ganhar market share ou diminuir estoque, por exemplo[2].

Um desses instrumentos negociais é o “Hold Back”, que consiste na devolução de parte do valor pago pelo concessionário na aquisição de determinado produto. O valor fica retido pela montadora em conta específica, identificando a operação de compra do produto e a referida devolução (recuperação do custo) de forma a diferenciar, de forma clara, cada operação. Pode-se usar, por exemplo, os dados do chassi do veículo.

Para fins tributários, é fundamental desvincular a entrada de capital que integra a recuperação de custo, dentro de uma estratégia de Hold Back, daquela entrada de recursos que passa a fazer parte “do patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições”[3] da entidade que a recebe. Isso porque a quantia que foi retida pela montadora, e depois devolvida, não representa um ingresso de receita nova, mas uma recuperação do custo sofrido pela parte que suportou o ônus – pagamento – no momento de aquisição da mercadoria.

Além do raciocínio econômico, existe o fato de que a operação não representa prejuízo ao erário, já que a tributação do PIS/COFINS com veículos novos e peças é monofásica[4] e incide sobre o momento inicial da aquisição do produto pelo concessionário, fazendo com que a alíquota concentrada das contribuições seja aplicada nesse evento e sobre a base de cálculo sem a redução do Hold Back. A realidade da operação, portanto, traz o status quo fiscal de como se o concessionário tivesse adquirido a mercadoria pelo seu valor total, sem o decréscimo do tributo a pagar derivado do Hold Back, já que foi recolhido naquele momento inicial.

A importância do tema se dá porque o Fisco Federal, em 2021[5], entendeu que os valores recebidos a título de Hold Back não são recuperação de custo, mas receita nova que deve ser tributada de acordo com o regime de apuração do contribuinte (afastando, também, a caracterização como receita financeira).

Ora, fica claro que o raciocínio adotado se desvincula da realidade dos fatos quando não compreende que o ato de retorno de algo (dinheiro) é decorrente de uma saída inicial; inverte a lógica econômica, já que a devolução apenas recupera o custo em decorrência de um pagamento na aquisição; e destoa da realidade jurídica, porque pretende exigir tributação sobre um fato jurídico que fora tributado de forma concentrada, no regime de monofasia.

Em suma, há um raciocínio raso em volta da discussão, que, de forma atrapalhada, tenta justificar a tributação de um acontecimento que não representa fato gerador das contribuições. Em momento algum os fundamentos do que seria considerado receita, para fins de incidência do PIS e da COFINS, são vislumbrados no caso do Hold Back.

 

 

 

___________________

[1]Cumpre desde logo esclarecer que um contrato de concessão comercial – notadamente quando dotado de estrutura e garantias especiais, resultantes de disposições legais e estipulações negociais, tais como as que regem no Brasil a comercialização de veículos automotores – da nascimento, por sua natureza, a um campo comum de interesses, isto é, um complexo objetivo de direito e deveres recíprocos que sobrepaira aos que porventura possam ser visados, isoladamente, pelo concedente ou pelo concessionário”. “É inegável, por conseguinte, que se forma, na hipótese examinada, a uma comunhão de interesse, da qual o concedente e o concessionário participam” (REALE, Miguel. Questões de direito privado. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 185-186)

[2]Assim, é comum que os fornecedores pretendam aumentar o controle direto sobre os distribuidores de seus produtos e, consequentemente, sobre as condições de venda praticadas pelos integrantes da rede. Isso lhes permite maior domínio da estratégia concorrencial. Por exemplo, a partir do momento em que a diminuição do preço final do produto mostra-se racional para incrementar a participação de mercado (desafiando a concorrência entre marcas), é necessário deter instrumentos que viabilizem a implementação dos patamares fixados pelo fabricante.”. FORGIONI, Paula A. Contrato de distribuição. 2. Ed. São Paulo: RT, 2008, p. 170.

[3] RE 606.107/RS (tema 283) – Supremo Tribunal Federal.

[4] Lei 10.485, de 3 de julho de 2002.

[5] Reunião de Conformidade Tributária (RCT) do Segmento Automotivo, no dia 13/05/2021.

Artigo escrito por:

Felipe Medeiros

Felipe Medeiros

Advogado na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
felipe.medeiros@monteiro.adv.br

Bruno Monteiro Filho

Bruno Monteiro Filho

Economista na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
bruno.monteirofilho@monteiro.adv.br

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