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A nova tese do século? A exclusão do ICMS na apuração dos créditos de PIS e COFINS nas operações de aquisição, após a conversão da MP no 1.159/2023 na Lei no 14.592/2023.

O primeiro semestre de 2023 foi tomado por uma discussão tributária que vem ganhando força no Poder Judiciário, com o potencial de se tornar a nova “tese do século”. A tese tem origem nas alterações promovidas pela Medida Provisória no 1.159, publicada em 12 de janeiro de 2023, que restringiu os cálculos de créditos de PIS e COFINS ao retirar o ICMS da referida apuração, para os contribuintes sujeitos ao regime não cumulativo, sobre as operações de aquisição de mercadorias.  

Historicamente, o ICMS incide na aquisição de bens/mercadorias e serviços, sendo até então considerado pela Receita Federal do Brasil[1] como custo de aquisição e, portanto, gerador do direito ao crédito da contribuição ao PIS e a COFINS.

De fato, um mês antes da publicação da MP nº 1.159/2023, a RFB emitiu, ainda em dezembro de 2022, a Instrução Normativa nº 2.121/2022, cuja redação à época (ou seja, antes das alterações trazidas pela IN no 2.152/2023, em julho deste ano) reconhecia que o “ICMS incidente na venda pelo fornecedor” deve ser incluído no cômputo dos créditos da não-cumulatividade das contribuições sociais (artigo 171, inciso II)[2].

Nesse mesmo sentido, a própria PGFN, até meados de 2021, nos Pareceres SEI nos 12.943/2021/ME e 14.483/2021/ME, entendia que a exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS em nada interferiria na apuração dos créditos dessas contribuições na entrada. Vejamos:

“o regime de não cumulatividade de PIS e COFINS, dada a própria natureza da incidência sobre o faturamento, envolve um mecanismo atípico de tributação indireta, em que não há necessária correspondência entre o que se pagou na etapa anterior com o valor de créditos a serem utilizados”.

 Daí porque se concluiu que: 

“A exclusão do ICMS da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da COFINS, tal como definida pelo Tema nº 69, não autoriza a extensão à apuração dos créditos dessas contribuições, em razão da legislação de regência, em especial dos arts. 2º e 3º da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2004”.

Ocorre que, no dia 30 de maio de 2023, foi publicada a Lei nº 14.592/23, contrariando os posicionamentos anteriores da RFB e da PGFN ao convalidar as alterações promovidas pela MP no 1.159/23 no inciso XIII do §3º do artigo 1º da Lei nº 10.833/2003[3] (COFINS) e no inciso III do §2º do artigo 3º da lei nº 10.637/2002 (PIS)[4], no sentido de definir o valor do ICMS incidente sobre operações de aquisição não dará direito a crédito das referidas contribuições sociais.

Embora a MP no 1.159/23 tenha sido convertida na Lei no 14.592/23 recentemente, as novas medidas começaram a produzir seus efeitos já a partir de 01/05/2023, causando forte impacto nos créditos de PIS e COFINS. Em um cálculo simples, quando adquirida uma mercadoria com 20% de ICMS, a empresa passa a ter um crédito de 7,38% ao invés do padrão de 9,25%, conforme o regime não-cumulativo.

Em outras palavras, se uma empresa adquire 1 milhão por mês em mercadorias, o impacto chega a R$ 18.500,00 reais mensais, resultando em um aumento indireto da carga tributária de mais de 220 mil reais por ano, a ser pago via PIS e COFINS.

Vejamos o exemplo:

NFe de venda do industrial para o Atacadista

Valor das mercadorias

Base de Cálculo do ICMS

Valor do ICMS (20%)

Base de Cálculo do PIS/COFINS*

PIS/COFINS (9,25%)

R$1.000.000,00

R$1.000.000,00

R$ 200.000,00

R$ 800.000,00

R$ 74.000,00

*Base de cálculo do PIS/COFINS = Valor das mercadorias – ICMS

 

Escrituração da NFe na entrada do Atacadista

 

Como era:

Como ficou após a MP:

Valor das mercadorias

ICMS destacado (20%)

Base de cálculo do PIS/COFINS

PIS/COFINS (9,25%)

Base de cálculo do PIS/COFINS*

PIS/COFINS (9,25%)

R$1.000.000,00

R$ 200.000,00

R$1.000.000,00

R$ 92.500,00

R$ 800.000,00

R$ 74.000,00

*Base de cálculo do PIS/COFINS = Valor das mercadorias – ICMS

 

É importante ressaltar que tal medida não impacta somente as empresas do lucro real, uma vez que o aumento de custo é quase sempre repassado para o próximo da cadeia produtiva, o que resulta no aumento dos preços para o consumidor final.

Diante desse cenário, as alterações em comento ferem as normas que tratam do regime não-cumulativo de PIS e COFINS, bem como a Constituição Federal, consoante passaremos a demonstrar.

 

O ICMS como Custo de Aquisição

Em primeiro lugar, vamos diferenciar a não-cumulatividade do PIS/COFINS com o regime de não-cumulatividade estabelecido para o ICMS e o IPI; afinal, enquanto este é previsto na Constituição Federal, aquele é disposto em lei ordinária.

No caso do PIS e da COFINS, gera-se o chamado crédito “financeiro”, através da técnica da não-cumulatividade pelo método subtrativo indireto; isto é, não há relação com os valores recolhidos na etapa anterior da cadeia produtiva para fins de cômputo do crédito fiscal na etapa seguinte. Isso significa dizer que, para fins de apuração dos créditos das contribuições nas operações de aquisição, o regime fiscal adotado pela empresa fornecedora na cadeia anterior é irrelevante, assim como são irrelevantes os juízos de se há vendas isentas ou incentivadas ou de se os bens e insumos são adquiridos de outros Estados da federação ou não.

Já para os créditos de ICMS, conhecidos como créditos “físicos”, o regime da não-cumulatividade segue a apuração “imposto x imposto”, segundo o qual o valor do tributo incidente na operação anterior pode ser deduzido do imposto devido na operação subsequente.

Exatamente em razão da diferença na apuração dos créditos, a não incidência de tributos na fase anterior, ou mesmo os casos em que o fornecedor paga as contribuições a uma alíquota menor, não afetam a apropriação de créditos do PIS e a COFINS na etapa seguinte, haja vista que é necessário considerar tão somente o montante pago na aquisição da mercadoria, consagrando o chamado regime subtrativo indireto.

Fica claro, assim, que o método utilizado para o PIS e a COFINS é o “base contra base”, não exigindo a incidência exata das contribuições na etapa anterior, em contraposição à sistemática do ICMS (imposto x imposto).   

 

A distinção entre operações (mercadoria) e prestação

Outro ponto que o Contribuinte deve se atentar é que a MP convertida na Lei no 14.592/2023 vedou o crédito nas operações de aquisição, termo que é empregado pelo STF como sendo sinônimo, unicamente, de mercadorias e não de serviços (RE nº 212.637 e AgRg. no RE nº 340.855/MG).

Logo, os Contribuintes do setor de transportes, por exemplo, podem e devem discutir judicialmente a manutenção dos referidos créditos.  

 

Limitação Constitucional

O constituinte delegou ao legislador infraconstitucional a atribuição de “definir os setores de atividade econômica para as contribuições (…) serão não cumulativas”. Percebe-se que não é uma autorização para restringir o instituto da não cumulatividade, mas sim para definir quando será aplicado.

O que se observa é que a própria exposição dos motivos da MP no 125/2003, posteriormente convertida na Lei no 10.833/2003, deixa claro o método de apuração para possibilitar os créditos “apurados em relação aos bens e serviços adquiridos, custos, despesas e encargos que menciona”.

 

Lacunas deixadas na MP e na Lei

Da forma em que a MP convertida em lei foi editada, há lacunas e dúvidas deixadas aos contribuintes em determinadas operações.  

Citamos um exemplo comum de operação as empresas: nas operações de aquisição de mercadorias em que o ICMS não é apropriado pelo contribuinte, como são os casos de materiais de EPI, nos quais o direito ao crédito de PIS e COFINS é uma imposição legal. Os materiais de EPI quando destinados ao uso e consumo da empresa adquirente da mercadoria, não pode ser apropriado o crédito de ICMS, transformando o imposto estadual como custo do produto adquirido. Isto é, o contribuinte nesses casos não consegue fazer a sistemática “imposto x imposto” para abater o ICMS.

Diante disso, é comum a empresa se questionar, se o produto adquirido é destinado ao uso e consumo do mesmo (pois não consegue aproveitar o crédito do imposto estadual), o ICMS pode compor a base de cálculo para fins de apuração dos créditos das contribuições sociais? A resposta é não. Há uma omissão na Lei no 14.592/23 e que se mantém na IN 2121/2022/RFB sobre o tratamento das operações de aquisição de mercadorias em que o ICMS não é apropriado pelo contribuinte, trazendo consigo uma insegurança jurídica.

No cenário ideal, obrigatoriamente deveria o ICMS compor a base de cálculo do PIS e COFINS na operação de “entrada” para fins de apuração dos créditos das referidas contribuições, pois trata-se de um custo para o contribuinte. No entanto, para operacionalizar tais créditos e fazer sua manutenção, o contribuinte/empresa deve e precisa discutir judicialmente. 

Outra latente ilegalidade foi a cometida pela IN no 2121/2022/RFB e não ajustada pela MP ou por sua lei sancionadora, o que torna sua redação ainda vigente. Trata-se do excerto que prevê que o ICMS integra as receitas desoneradas das contribuições de PIS e COFINS, (art. 26, inciso XII e parágrafo único), o que causa uma distorção no rateio proporcional quando, por exemplo, a operação do contribuinte aufere simultaneamente receitas tributadas e desoneradas das contribuições de PIS e da COFINS.

Tal norma além de ilegal é inconstitucional, posto que fere o julgamento do STF no tema 69, em que foi decidido que o ICMS não é receita do vendedor da mercadoria, desoneradas ou não, e que, portanto, sua inclusão na base de cálculo das duas contribuições sociais é inconstitucional.

 

 

Alteração da IN no 2.121/2022/RFB pela IN no 2.152/2023/RFB

Como mencionado anteriormente, a Instrução Normativa no 2.121, de dezembro de 2022, havia disposto sobre a legalidade da inclusão do ICMS no cômputo dos créditos de PIS e COFINS nas operações de aquisição; contudo, a Instrução Normativa 2.152/2023, publicada no DOU em 18/07/2023, desmantelou de forma profunda a IN antecessora, alterando e revogando uma série de dispositivos.

Foi alterado, a título de exemplo, o trecho que permitia a inclusão do ICMS na base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS para se adequar à Lei no 14.592/2023, que alterou as Leis no 10.833/2003 e no 10.637/2002.


Outras alterações incluem: (i) dispositivos práticos que determinam que o ICMS incidente na venda pelo fornecedor não gera direito a crédito de PIS e COFINS e deve ser excluído da base de cálculo; e (ii) a alteração do Parágrafo Único do Art. 171, cujo teor agora reforça que o ICMS-ST e o IPI também não compõem base de cálculo dos créditos de PIS e COFINS.

Conclusão

Atualmente, a RFB já emitiu nota informando que os contribuintes devem realizar o ajuste da base de cálculo do crédito do PIS e da COFINS, excluindo o ICMS que incidiu na operação de forma individualizada, em cada um dos registros dos documentos fiscais – muito embora ainda sequer exista campo específico para discriminar a mudança.

É importante que as empresas estejam atentas a essa nova regra e realizem os ajustes em seus registros fiscais. As alterações promovidas pela MP no 1.159/2023, convertida na Lei no 14.592/2023, representam uma mudança significativa no cenário tributário do país, de modo que, diante da possibilidade de questionamento via Judiciário do princípio da não cumulatividade, bem como das inconstitucionalidades existentes, é importante que se busque a orientação de um advogado tributarista apto a tomar as devidas providências pela via judicial.




___________________________

[1]  RFB. Solução de Consulta COSIT nº 106, de 11.04.2014

[2] Art. 171. No cálculo do crédito de que trata esta Seção, poderão ser incluídos:

II – o ICMS incidente na venda pelo fornecedor, ressalvado aquele referido no inciso I do art. 170 (Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, caput, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014, art. 54; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º,caput, com redação dada pela pela Lei nº 12.973, de 2014, art. 55; e Parecer SEI nº 14.483/2021/ME, de 28 de setembro de 2021, item 60, alínea “c”).

[3] Art. 1o  A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.  § 3o Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo as receitas: XIII – relativas ao valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação(Redação dada pela Lei nº 14.592, de 2023)

[4] Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: § 2o Não dará direito a crédito o valor: III – do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição. (Incluído pela Lei nº 14.592, de 2023)

 

Artigo escrito por:

Ciro Freitas

Ciro Freitas

Advogado na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
ciro.freitas@monteiro.adv.br

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