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A quebra da coisa julgada em matéria tributária: O que muda?

Na sessão realizada no último dia 08 de fevereiro, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento de dois recursos extraordinários em que se discutia os limites da coisa julgada em matéria tributária. Trata-se do RE 949.297 e do RE 955.227, elencados nos Temas 881 e 885 da repercussão geral.

Por unanimidade, e de forma inédita, os ministros definiram que uma decisão judicial que permitia o não pagamento de determinado tributo perde automaticamente sua eficácia se, em momento posterior, o STF considerar a cobrança constitucional. Essa mecânica vale inclusive para os casos de decisões judiciais transitadas em julgado (ou seja, nas quais não cabe mais qualquer tipo de recurso).

Naturalmente, a notícia da publicação desses julgamentos teve uma reverberação muito forte no meio empresarial, não só pela evidente sensação de insegurança jurídica causada pela quebra dos efeitos da coisa julgada, mas principalmente pelo tom alarmante e, a bem da verdade, até desarrazoado com que a imprensa vem repercutindo a matéria.

O momento exige cautela. É necessário rememorar o caso concreto discutido nos julgamentos para desmistificar alguns prelúdios que estão sendo anunciados.

A questão específica em torno da matéria teve início com a promulgação da Constituição de 1988, que atribuiu à União competência para instituir contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), a qual foi efetivamente criada ainda naquele ano, pela Lei nº 7.689/88. À época, muitas empresas ingressaram em juízo alegando a inconstitucionalidade do novo tributo, tanto de ordem formal, já que a contribuição foi criada via lei ordinária e não complementar, como de ordem material, uma vez que sua base de cálculo – lucro líquido – já era tributada pelo Imposto de Renda, gerando assim uma clara bitributação, o que é vedado pelo ordenamento.

Ainda na década de 90, já haviam pessoas jurídicas com ganho de causa favoráveis sobre o assunto, com ações judiciais transitadas em julgado, e que passaram a não recolher a CSLL. Contudo, como não se tratava de uma questão pacificada, nem todos os contribuintes tiveram a mesma sorte, de tal modo que se criou um cenário em que pessoas jurídicas que desenvolviam a mesma atividade econômica tinham cargas tributárias distintas, ferindo os princípios basilares da isonomia, da livre concorrência, e da neutralidade tributária. Afinal, em função de uma intervenção indireta do Estado (Poder Judiciário), as condições de mercado passaram a ser personalíssimas!

A controvérsia só foi ser dirimida no ano de 2007, quando o STF julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 15, para declarar, em sede de repercussão geral[i], a constitucionalidade da CSLL. No entanto, em que pese a uniformização da jurisprudência naquele momento, nada foi dito quanto à manutenção da coisa julgada formada em favor de determinados contribuintes — ou seja, como ficaria a situação daqueles contribuintes que já tinham decisão judicial transitada em julgado em prol do não pagamento da CSLL.

Em virtude da lacuna deixada pela ausência desse debate, mesmo após 2007, muitas empresas mantiveram – e ainda mantêm – suas decisões definitivas que afastaram a exigência da CSLL. A Fazenda Nacional, por sua vez, defendeu que a mudança de entendimento geraria a quebra automática das decisões transitadas em sentido diverso, permitindo ao Fisco lançar e cobrar automaticamente o tributo, sem a necessidade de uma ação revisional ou rescisória para tanto.

Dado o novo imbróglio processual, 16 anos após o julgamento da ADI nº 15, o STF voltou a analisar a matéria, agora sob um novo enfoque, e concordou com o argumento do Ente Fazendário, retirando a rigidez da coisa julgada em relações tributárias de trato sucessivo[ii]. Segundo a tese firmada, o julgamento de 2007, em repercussão geral, afastou (a partir dele) o benefício fiscal que aquelas empresas teriam conseguido individualmente, em suas ações. Ficou assentado também que, caso a Corte julgue um tributo constitucional, em sede de controle concentrado, a cobrança deverá respeitar os princípios da anterioridade anual e nonagesimal, a depender do tributo, para começar a surtir efeitos. No caso da CSLL, por exemplo, aplica-se apenas a noventena.

A posição adotada pelo Supremo de permitir a relativização da coisa julgada, que até então era uma garantia fundamental protegida pela Constituição Federal (artigo 5º, XXXVI da CF) é, no mínimo, criticável. Em que pese o argumento da necessidade de proteção do ambiente concorrencial, alegado por alguns Ministros, fato é que o ordenamento jurídico brasileiro já prevê as hipóteses em que um tema resolvido poderia ser revisitado, através de ação rescisória, com os requisitos que lhe são próprios.

Indo além, os ministros negaram, por 6×5 votos, o pedido de modulação de efeitos formulado pelos contribuintes. Naturalmente, o pleito era para que a decisão possuísse efeitos prospectivos, diante de uma nova e drástica ruptura com o estado atual das coisas, determinando-se a aplicação de nova diretriz aos fatos geradores vindouros. Na prática, isso permitiria que a União rompesse a coisa julgada e passasse a cobrar o tributo apenas a partir de 2023. Com a ausência de modulação, o Fisco poderá cobrar o tributo com efeitos retroativos, respeitando a decadência tributária.

Como a tese fixada não fica adstrita à CSLL, sendo válida para todos os demais 91 tributos vigentes no Brasil hoje[iii], o contribuinte precisa ter em mente quais são os cenários possíveis:

  1. Se tem um título judicial transitado em julgado, seja individual ou coletivo, e o Supremo Tribunal Federal julgou a matéria no mesmo sentido em ação direta ou em sede de repercussão geral, como a exemplo a tese exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS: Nesse caso, a decisão não alterou em nada a operação da pessoa jurídica neste momento;

 

  1. Se tem um título judicial transitado em julgado, contudo o Supremo Tribunal Federal julgou em sentido oposto em ação direta ou em sede de repercussão geral: Aqui será preciso analisar se após o julgamento em ação direta ou repercussão geral os tributos foram lançados antes da decadência pela Receita Federal. Se sim, o Fisco poderá exigir o débito retroativo!

 

De certa maneira, sob o ponto de vista econômico, o entendimento do Supremo foi visto com bons olhos por diversos empresários, que não possuíam ações transitadas favoráveis e viram seus concorrentes perderem a vantagem competitiva que tinham, como o caso das empresas que pagavam CSLL enquanto seus concorrentes não.

Sob o ponto de vista jurídico, é claro que a quebra automática da coisa julgada, e mais ainda a ausência de modulação dos efeitos, causa um sentimento de insegurança jurídica muito preocupante no ordenamento como um todo, fazendo valer a máxima de que “no Brasil o futuro é incerto e o passado é duvidoso”, como bem pontuou o Min. Edson Fachin em seu voto.

De toda forma, trata-se de uma nova realidade na qual os contribuintes terão que se adequar. A partir desta decisão, a atenção das empresas quanto à pauta tributária do STF deve ser redobrada, já que a coisa julgada deixou se der uma garantia em definitivo.

_______________________

[i] A CRFB/88, em seu artigo 102 § 2º preceitua que “as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

[ii] Nas lições de Heleno Torres “as relações sucessivas são aquelas caracterizadas por um estado que se prolonga no tempo, de eventos que tendem a se repetir, numa sucessão de fatos jurídicos tributários” TÔRRES, Heleno Taveira. O Poder Judiciário e o Processo Tributário: divergência jurisprudencial e coisa julgada nas relações tributárias continuativas. Belo Horizonte: Del Rey, 2010

[iii] https://www.portaltributario.com.br/tributos.htm

Forense, 2022.

Artigo escrito por:

Brunno Barroso

Brunno Barroso

Advogado na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
brunno.barroso@monteiro.adv.br

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