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As alterações na Lei de Defesa da Concorrência sob uma perspectiva histórica

No ano de 2022 comemoram-se dez anos da entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011, também conhecida como Lei de Defesa da Concorrência (LDC).  Foi a partir de sua promulgação que foram refinados os meios para assegurar a competitividade entre empresas e serviços no Brasil e, ainda, que se instituiu o sistema obrigatório de análise prévia dos atos de concentração. Recentemente, algumas mudanças importantes estão sendo discutidas pelo Projeto de Lei no 11.275/2018. Cabe fazer breve retrospectiva histórica de nossa legislação antitruste a fim de melhor compreender a aplicação e evolução da defesa da concorrência no país, bem como entender as inovações trazidas pelo novo texto em discussão.

Durante muito tempo a defesa da livre concorrência foi algo tímido no contexto econômico do país, e a atividade econômica vivenciava grande influência da intervenção estatal. O tema ganhou espaço, inicialmente, com algumas mudanças instituídas no ano de 1945, na concepção da chamada “Lei Malaia” (Decreto-Lei nº 7.666/1945), que dispunha sobre os atos contrários à ordem moral e econômica. A legislação antitruste avançou um pouco mais 17 anos mais tarde, com a vigência da Lei 4.137/1962, que por sua vez disciplinou o “abuso do poder econômico” no direito brasileiro e criou o CADE, nesta época ainda como sub órgão do Ministério da Justiça.

A Constituição Federal de 1988 trouxe algumas inovações ao nascente direito concorrencial. Incluiu-se princípios como o da livre concorrência, da livre iniciativa e da repressão ao abuso de poder econômico (arts. 170 e 173, § 4º, da CF/1988).

No entanto, foi apenas nos anos 90 que o direito concorrencial começou a caminhar a passos largos. A princípio foram tipificados os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo foram tipificados (Lei no 8.137/1990). Mais tarde, com o advento da Lei 8.884/1994, o CADE foi transformado em autarquia federal, com autonomia administrativa, mandatos para seus dirigentes e orçamento próprio, além de competência para gerir um inédito sistema de controle de atos de concentração[1]. O referido diploma também criou a Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE), que passou a atuar em conjunto com o CADE.

Ainda assim, mesmo enxergando a defesa da concorrência como pilar protetor de interesses da coletividade e da ordem pública, a atuação dos órgãos antitruste à época é considerada pouco expressiva, tendo em vista o ainda rígido controle do Estado sobre a economia e os agentes privados.

O ano de 2011, por sua vez, é o mais recente marco da evolução na regulação antitruste, a partir da vigência da Lei no 12.529/11 (“Lei de Defesa da Concorrência”). A atual lei, complementada pelo Regimento Interno do CADE (RiCade), define as atribuições do Conselho[2], estruturando o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) – composto pelo CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) – e promovendo significativas mudanças na política de defesa da concorrência[3]. O CADE continua sendo uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça e passou a ser responsável por instruir processos de apuração de infrações à ordem econômica, bem como julgar e punir administrativamente as pessoas físicas e jurídicas que pratiquem tais atos, assim como analisar atos de concentração[4]. O órgão passou a criar, gradualmente, novos mecanismos capazes de evitar excessiva concentração que afete negativamente o estado competitivo do mercado.

Atualmente, depois de consolidada a atuação do CADE como órgão regulatório máximo da concorrência brasileira, um novo projeto de lei promete trazer mudanças inéditas – especialmente ligadas ao chamado enforcement privado da legislação antitruste. Trata-se do Projeto de Lei no 11.275/2018, recentemente aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara, que altera a Lei nº 12.529/2011 a fim de prever novas disposições aplicáveis à repressão de infrações à ordem econômica.

O PL traz novas bases para as ações de reparação por danos concorrenciais no país, com o intuito de pacificar questões controversas, incentivando e facilitando a sua propositura pelos sujeitos prejudicados pela prática anticompetitiva (private enforcement), buscando ressarcimento e indenização quando houver a lesão advinda de condutas como cartéis.

O ilícito concorrencial é entendido como violação a direitos difusos, embora possam ser reivindicados em juízo de forma individual. Assim, o enforcement privado, feito pelas empresas prejudicadas e vítimas das práticas de condutas restritivas à concorrência, complementa o enforcement público, chefiado pelo CADE. A diferença é que além dos efeitos repressivos, há também os impactos indenizatórios sobre os ilícitos concorrenciais.

Dentre as mudanças, o PL prevê que terão direito ao ressarcimento em dobro os prejudicados por infrações previstas no art. 36, §3º, I e II da LDC, quais sejam as condutas caracterizadas como infrações contra a ordem econômica. Contudo, a indenização em dobro não deve ser destinada aos signatários dos Acordos de Leniência e Termos de Compromisso de Cessação (TCC). Nesses casos o infrator ressarce somente na medida dos danos que causaram, visando, assim, garantir que as ações reparatórias não retirem os incentivos aos programas de leniência e TCC.

O texto trata ainda das regras de prescrição para o ingresso de ações indenizatórias pelos indivíduos prejudicados. O prazo prescricional é de cinco anos, com o início da contagem a partir da ciência inequívoca do ilícito pelo prejudicado, entendida como a publicação da decisão de condenação exarada pelo CADE.

Ainda, prevê que não haverá presunção de repasse do sobrepreço na cadeia produtiva afetada por um cartel, sendo necessário provar o repasse que venha a ser alegado. Estabelece também que a decisão final do Plenário do Tribunal do CADE é apta a fundamentar a concessão de tutela de evidência, permitindo ao juiz decidir liminarmente nas Ações de reparação por danos concorrenciais (ARDC).

Por fim, busca métodos alternativos de solução de conflitos, na medida em que inclui a previsão de que uma empresa ou indivíduo que queira firmar um TCC com o CADE terá que consentir com o uso da arbitragem no caso de os lesados pela conduta requisitarem a reparação pela via arbitral.

O PL 11.275/2018 seguirá para sanção presidencial. Se aprovado em sua totalidade, as modificações à Lei de Defesa da Concorrência introduzidas atingirão diretamente o cenário da ocorrência de condutas anticompetitivas com efeitos no Brasil.



[1] Defesa da concorrência no Brasil: 50 anos. Vinícius Marques de Carvalho e Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo. – São Paulo – 2013

[2] Cartilha do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica

[3] CARVALHO, Vinícius Marques. A Lei 12529/2011 e a Nova Política de Defesa da Concorrência. Editora Singular, 2015.

[4] Defesa da concorrência no Brasil : 50 anos / Vinícius Marques de Carvalho e Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo. – Brasília : Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, 2013

Artigo escrito por:

Beatriz Barbosa

Beatriz Barbosa

Advogada na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
beatriz.barbosa@monteiro.adv.br

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