O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), que agora foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais de Educação (FUNDEB), foi estabelecido pela Emenda Constitucional nº 14/96 com o objetivo de garantir uma distribuição mais equitativa de recursos para o ensino fundamental.
Por intermédio do FUNDEF, os estados e municípios passaram a receber uma quantia proporcional ao número de alunos matriculados na rede pública de Ensino Fundamental correspondente, estabelecendo-se um valor mínimo anual por aluno em nível nacional. Consequentemente, de acordo com o artigo 6º da Lei do FUNDEF, era responsabilidade da União complementar os recursos dos fundos regionais sempre que o valor mínimo anual por aluno (VMAA) não fosse alcançado.
Ocorre que, contrariando o que foi estabelecido legalmente, a Fazenda Nacional definiu o VMAA em desacordo com o critério nacional. Além disso, ao instituir o novo Fundeb, mais uma vez a União Federal não cumpriu as disposições legais e constitucionais, fixando o valor de forma incompatível com o mínimo já devido para o FUNDEF a partir de 2006, que deveria servir como referência para os anos seguintes de vigência do novo Fundeb.
Dessa forma, os municípios buscaram contratar escritórios especializados com o objetivo de garantir o efetivo recebimento dos valores que foram repassados de forma inadequada pela União. As contratações foram realizadas por meio de duas modalidades: concorrência pública ou inexigibilidade de licitação. No entanto, o Tribunal de Contas do Estado, de forma arbitrária, suspendeu/anulou as licitações/contratações por meio de medidas cautelares, as quais permanecem estagnadas sem uma definição de mérito.
Infelizmente, devido às medidas cautelares impostas pelo Tribunal de Contas, diversos municípios do Ceará enfrentaram perdas significativas de recursos relacionados ao FUNDEF/FUNDEB. Essas suspensões resultaram na não expedição de precatórios e, o que é mais preocupante, na prescrição completa dos valores a que os municípios teriam direito. Isso ocorre porque, ao entrar com uma ação judicial, só é possível buscar os valores referentes aos últimos cinco anos do FUNDEB, ou seja, de 2018 a 2023, enquanto os anos de 2016 e 2017 já se encontram inteiramente prescritos pelo não ajuizamento tempestivo das ações, justamente em razão dos impedimentos impostos pelo TCE.
Para ilustrar a gravidade da situação, a seguir será demonstrado o caso de apenas cinco municípios e os montantes envolvidos:
MUNICÍPIO | MODALIDADE | DATA CAUTELAR DO TCE | VALORES FUNDEF | VALORES FUNDEB | JULGAMENTO FINAL DE MÉRITO PELO TCE | TEMPO SEM DECISÃO DE MÉRITO DO TCE-CE |
ACOPIARA | INEXGIBILIDADE | 20/09/2021 | R$ 10.318.090,47 | R$ 11.312.771,71 | Mérito NÃO analisado pelo TCE/CE | .+ de 1 ano e 8 meses |
ARACATI | CONCORRÊNCIA PÚBLICA | 09/08/2021 | R$ 42.127.973,62 | R$ 13.834.303,77 | Mérito NÃO analisado pelo TCE/CE | .+ de 1 ano e 9 meses |
ARATUBA | CONCORRÊNCIA PÚBLICA | 31/08/2021 | R$ 3.216.785,66 | R$ 3.473.528,73 | Mérito NÃO analisado pelo TCE/CE | .+ de 1 ano e 9 meses |
MULUNGU | CONCORRÊNCIA PÚBLICA | 17/12/2021 | R$ 5.889.432,26 | R$ 2.143.554,60 | Mérito NÃO analisado pelo TCE/CE | .+ de 1 ano e 5 meses |
TEJUÇUOCA | CONCORRÊNCIA PÚBLICA | 06/12/2021 | R$ 35.305.888,14 | R$ 4.890.608,53 | Mérito NÃO analisado pelo TCE/CE | .+ de 1 ano e 5 meses |
VALORES ESTIMADOS | R$ 96.858.170,15 | R$ 35.654.767,34 | – | – | ||
VALORES TOTAIS | R$ 132.512.937,49 |
Nota-se que a cifra estimada de R$ 132.512.937,49 (cento e trinta e dois milhões, quinhentos e doze mil, novecentos e trinta e sete reais e quarenta e nove centavos) representa apenas uma pequena amostra, correspondente a 2,7% dos municípios cearenses, do impacto financeiro enfrentado devido às suspensões impostas pelo Tribunal de Contas.
É lamentável que as suspensões realizadas pelo TCE/CE tenham causado prejuízos aos municípios, inibindo muitos gestores de buscarem a justiça, comprometendo o desenvolvimento educacional e as oportunidades de milhares de estudantes e professores. É ainda mais lamentável que o tenham feito de maneira desarrazoada e com frágil fundamentação jurídica.
Essa situação apenas ressalta a importância de uma atuação mais cuidadosa e alinhada com as necessidades dos municípios, à luz da recente da nova LINDB que ressalta a necessidade das decisões administrativas consideraram as consequências reais de seus provimentos – neste caso, a prescrição de créditos de alto calibre que doutra sorte seriam investidos na educação municipal.
Em relação à aplicação dos recursos, vale acrescentar que foi definido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 528, publicada desde 23/03/2022, a constitucionalidade do pagamento aos advogados que ingressaram com as ações do FUNDEF/FUNDEB em favor dos municípios, acarretando o efetivo benefício, desde que limitados à parcela dos juros de mora do precatório, sendo sua parcela principal inteiramente vinculado à Educação.
Fica claro, assim, que as medidas impostas pelo TCE-CE resultam em perdas milionárias de recursos para os municípios, afetando diretamente seu desenvolvimento, os estudantes e os professores. É urgente que os órgãos de controle atuem de forma mais cuidadosa e alinhada com a realidade e a necessidade dos municípios cearenses, garantindo a correta destinação dos recursos, respeitando as decisões vinculantes do STF e, ao cabo, evitando impactos negativos na educação.
Artigo escrito por:

Eduardo Rodrigues
Advogado na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
eduardo.rodrigues@monteiro.adv.br