A crise impôs, sem sombra de dúvidas, desafios trabalhistas, cíveis e tributários ao empresário. Contudo, o maior desafio por trás de todas estas questões é: como sobreviver? Como garantir fluxo de caixa com a operação reduzida? Afinal de contas, pensar em diminuir despesas não é suficiente. É preciso pensar em formas de se financiar. O objetivo deste artigo é, portanto, aventar algumas ideias práticas que podem auxiliar pequenas e médias empresas a se financiarem, considerando o “kit de ferramentas” disponível no direito comercial brasileiro.
Em primeiro lugar, precisamos dividir este kit em dois compartimentos: dívida e “equity” (cuja tradução para o português seria uma participação na companhia, o que pode ser empregado tanto para Sociedades Anônimas, quanto para Sociedades Limitadas). Vamos então começar pelas dívidas.
Existem duas formas básicas de se financiar através de dívidas: utilizando-se de instituições bancárias ou de terceiros. Quando uma instituição bancária financia a sua empresa, ela está autorizada, consonante à Lei da Usura, a cobrar juros acima de 1% am. Há uma série de iniciativas do governo federal que procuram oferecer opções de financiamento com baixas taxas de juros através de bancos públicos, como é o caso da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). Confira abaixo um resumo das linhas oferecidas por cada uma destas entidades:
- CEF:
- Financiamento da Folha de Pagamento (aplicável para empresas com faturamento anual entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões)
- Linhas de financiamento para capital de giro (com condições a serem negociadas caso a caso)
- BNDES:
Linhas de crédito para micro (até R$ 360 mil de Receita Operacional Bruta (ROA) anual), pequenas (entre R$360 mil e R$ 4,8M de ROA anual) e médias empresas (entre R$ 4,8 e R$ 300M de ROA anual – antes esse grupo não se enquadrava)
- Produtos contratados através de diferentes agentes financeiros (bancos comerciais convencionais (Bradesco, Itaú e Santander) e outras instituições financeiras como SICOOB e SICRED;
- Limite de até R$ 70 M/ano (antes era de até R$ 10M/ano);
- Prazo de até 5 anos para pagamento com até 2 anos de carência; e
- Apesar de não ser mais necessário a apresentação de um projeto extenso durante o período do Covid-19, cada um dos agentes financeiros fará uma avaliação de crédito diferente e avaliará os projetos que a contratante deseja desenvolver.
Existe, contudo, outra forma de se financiar através de dívidas contraídas de terceiros. Ou seja, de entidades não-financeiras. Para isto, há um instrumento específico no direito brasileiro chamado de “debênture” que foi criado com o objetivo de facilitar esta possibilidade. As debêntures são valores mobiliários e por isso sofrem regulação direta da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Hoje a emissão de debêntures está restrita às sociedades anônimas (SAs), não obstante à tentativa da MP 881/2019 (conhecida como MP da Liberdade Econômica) de regular sua emissão por parte das sociedades limitadas.
Um possível instrumento que substitui as debêntures no caso das LTDAs são os chamados “mútuos conversíveis”, derivados das “conversible notes” americanas e cujo efeito muito se assemelha ao das debêntures para as sociedades anônimas. Estes contratos possibilitam que terceiros dispostos a financiar um empréstimo para a sua empresa possam eventualmente converter esta dívida por ela contraída como participação societária.
Assim, ao firmar um contrato como este, o empresário toma o empréstimo necessário e, em troca disso, fornece a opção para que o seu credor possa eventualmente converter esta dívida em uma participação societária futuramente. As condições para que isto aconteça, contudo, podem ser desenhadas caso a caso, o que acaba classificando um contrato como este como um meio termo entre dívida e participação societária.
Voltando à nossa caixa de ferramentas, a segunda opção para se financiar é através de equity, o que seria equivalente à venda de uma participação societária da empresa. Em 2016, a Lei Complementar 155/2016 criou uma nova modalidade, especialmente direcionada para o “investimento anjo”, aquele investidor conhecido por apostar em startups. Esta modalidade ganhou o nome de “Contrato de Participação”.
Um dos maiores benefícios para o empresário que deseja financiar-se através dessa modalidade é não ter o investidor participando ativamente na administração da sua sociedade, o que, por outro lado, é contrabalanceado com a ausência de responsabilidade do investidor em caso de dívidas da sociedade (Art. 61-A, II, LC 123/06). Traduzindo este “jurisdiquês”, isto significa dizer que o investidor que aportará na sua sociedade terá o tratamento diferenciado com relação aos demais sócios.
Outros requisitos importantes trazidos pela Lei que regula o Contrato de Participação são: (a) o prazo máximo de 5 anos para a remuneração dos aportes realizados pelo investidor; (b) o limite de remuneração será de até 50% dos lucros obtidos; e (c) o direito de efetuar o resgata do investimento realizado só será possível dentro do prazo mínimo de 2 anos.
Lembrando que a LC 155/06, que regula este tipo contratual, tem sua aplicação limitada às micro e pequenas empresas, as quais, por sua vez, não sofrerão desenquadramento em função do valor aportado – uma vez que este valor de aporte não passará a compor o capital social da empresa.
Para médias e grandes empresas, contudo, é possível viabilizar o financiamento por equity seja através de um contrato de subscrição de ações (em se tratando de sociedades anônimas, ainda que fechadas), seja através de uma compra e venda de quotas (para os casos de sociedade limitada), o que implicará em posteriores alterações no seu contrato social.
Claro que um assunto como este jamais poderia ser exaurido em um artigo de duas páginas. Por isso, o ideal é que, antes de realizar operações como estas (seja a contração de dívidas ou a venda de uma participação societária), o seu caso seja analisado com a devida especificidade que merece. É sempre importante lembrar também que, especialmente operações de venda de participação societária realizadas no período da calamidade pública, precisam de bastante cautela, já que estamos tratando de um período excepcional, o que pode ensejar regimes de exceção com relação ao cumprimento de obrigações contratuais, necessitando, portanto, de todo um arcabouço contratual específico.
Artigo escrito por:

Sofia Monteiro
Advogada e Economista na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
sofia.monteiro@monteiro.adv.br