A Constituição Federal de 1988, com o objetivo de descentralizar o poder, concedeu autonomia política, administrativa e financeira aos Municípios, ou seja, podem ter composição de um governo local, com eleições e lei orgânica, prestação de interesse local, bem como instituir e cobrar os próprios tributos.
Conforme a Carta Magna, para amenizar as desigualdades regionais e promover o equilíbrio socioeconômico entre Estados e Municípios, criou-se as transferências constitucionais e legais.
O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é uma delas, sendo uma das principais fontes de receita e estando prevista no artigo 159 da Constituição, cujo repasse compete à União. É retirado 22,5% do Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e distribuído para os Municípios em proporcionalidade pelas faixas populacionais.
Cada Estado compõe uma quantidade de Municípios, com números de habitantes diferentes, e o cálculo para distribuição é com base na população de cada Município. Agora, os valores destinados aos Municípios de cada Estado, estes sim são fixos. Por exemplo, os coeficientes do FPM dos Municípios de Luziânia (GO) e Rio Verde (GO) são iguais, então ambos recebem o mesmo valor de FPM.
Ao longo do ano de 2020, verificou-se um cenário negativo do valor do FPM, com queda de 7% (sete por cento), comparado com o ano anterior (2019), considerando o comportamento da inflação. Vejamos o gráfico a seguir:

Como a maioria das transferências constitucionais, o FPM não apresenta uma uniformidade na sua distribuição. Ao avaliar, mensalmente, o comportamento dos repasses, nos meses de julho a novembro houve uma diminuição considerável.
A maior preocupação dos gestores brasileiros é que a arrecadação seja maior que as despesas, ou seja, com o resultado fiscal. No ano de 2020, apesar de todas dificuldades, até o 5º bimestre ocorreu uma melhora no resultado fiscal de vários municípios analisados pela Confederação Nacional de Municípios (CNM).
Importante destacar que o aumento das transferências da União às municipalidades compensou a frustração das receitas aderentes ao ciclo econômico, em razão da queda de arrecadação do ISS e ICMS.
Uma outra fonte de recurso municipal vem da parcela do ICMS (Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação), estando prevista no artigo 158, IV da Constituição, no qual estabelece que 25% (vinte e cinco por cento) da arrecadação pertencem às municipalidades brasileiras.
Em 2020, houve uma grande variação nas diferentes regiões, ocorrendo maiores aumentos de arrecadação do imposto nos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Essas regiões foram as mais beneficiadas pela distribuição do Auxílio Emergencial.
O Mato Grosso foi o Estado com maior arrecadação de ICMS, tendo um bom desempenho devido ao agronegócio, com exportações de soja, milho, algodão e carne bovina.
Na região Norte, contudo, houveram variáveis perdas. O Acre, por exemplo, sofreu uma redução de 48% (quarenta e oito por cento) de arrecadação do ICMS em razão da pandemia, tendo sido influenciado devido à isenção de cerca de 45 mil famílias de baixa renda do pagamento de ICMS na conta de energia.
Destaca-se, ainda, que a União repassou R$ 3,119 bilhões a 3.851 municípios e a 19 estados, além do Distrito Federal no final de 2020, equivalente à 78% (setenta e oito por cento) do valor anual previsto, referente ao acordo sobre a Lei Kandir. O Ente Federal, no entanto, condicionou o recebimento dos recursos à assinatura de Declaração de Renúncia, no qual abre mão das ações relacionadas à tal lei, tendo a aderência de 69% dos Municípios e 74% dos Estados.
A transferência prevista na Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir) dispõe sobre operações relativas ao ICMS, de modo a compensar prejuízos sofridos pelos Estados e Municípios, em razão da isenção do imposto sobre os produtos manufaturados destinados à exportação. A parcela destinada aos Municípios é de 25%, distribuída segundo percentuais vigentes de partilha, ficando 75% aos Estados.
Ocorre que, atualmente, por falta de aprovação do Orçamento Federal para 2021, cerca de R$ 332,3 milhões deste recurso ainda não foram repassados para os demais entes no mês de janeiro, podendo persistir a problemática caso a proposta orçamentária não seja votada.
Restou demonstrado que, embora as receitas próprias tenham sofrido variação negativa no auge da pandemia, elas se recuperaram nos semestres posteriores. A variação na atividade econômica impactou significativamente os recursos municipais, tornando ainda mais relevante o papel do Auxílio Emergencial e demais transferências extraordinárias para manutenção dos serviços públicos prestados à população.
Logo, em que pese o péssimo desempenho econômico brasileiro e problemas encontrados pelos gestores municipais, as transferências constitucionais têm sido papel fundamental. Ademais, metade dos valores transferidos foi destinada com despesas de saúde.
Por fim, ressalta que as incertezas quanto ao cenário econômico para o ano de 2021, sugerem cautela redobrada aos gestores municipais a fim de preservar sua independência financeira, inclusive quanto aos repasses oriundos do Governo Federal.
REFERÊNCIAS
1. Curso de Direito Tributário e Financeiro. CARNEIRO, Claudio. 6ª Edição – São Paulo: Saraiva, 2016. Pág. 145 a 153.
2. Direito constitucional financeiro: teoria da constituição financeira. TORRES, Heleno Taveira. São Paulo: Thomsom Reuters Revista dos Tribunais, 2014.
3. https://www.cnm.org.br/biblioteca/exibe/13685, acessado em 08/02/21.
4. https://www.cnm.org.br/biblioteca/exibe/2676, acessado em 08/02/21.
5. https://valor.globo.com/brasil/noticia/2021/02/05/falta-de-aprovacao-barra-recursos-da-lei-kandir.ghtml, acessado em 10/02/21.
6. https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/12/30/lei-kandir-com-acordo-estados-e-municipios-receberao-r-31-bi-ainda-em-2020-diz-governo.ghtml, acessado em 10/02/21.
Artigo escrito por:

Angélica Aquino
Advogada na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
angelica.aquino@monteiro.adv.br

Marcela Caribé
Advogada na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
marcela.caribe@monteiro.adv.br