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STF julga extinção da pena por crime tributário

No dia 14 de agosto de 2023 foi encerrado o julgamento do Plenário Virtual pela Suprema Corte, no qual, dentre as temáticas discutidas, foi asseverada a constitucionalidade dos arts. 67 e 69 da Lei nº 11.941/2009 e do art. 9º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 10.684/2003. Em outras palavras, o STF manteve a validade de normas que extinguem ou suspendem a punibilidade nos casos de pagamento integral ou parcelamento de dívidas tributárias.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela então Procuradora-Geral da República, Deborah Duprat, arguia que ao menos dois dispositivos da Carta Constituinte eram afrontados: (i) a igualdade de todos perante a lei e (ii) o compromisso assumido pelo Estado Federativo em garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e construir uma sociedade livre, justa e solidária, visando, por conseguinte, a promoção do bem de todos1

Nesse direcionamento, argumenta que a arrecadação de tributos é necessária a tal mister, permitindo, assim, a coerção penal nos casos em que fosse atentada a ordem tributária, a fim de que fosse garantido o primado da justiça distributiva e da sustentabilidade do Direito Social.

A partir dessa ótica, adverte que o Direito Penal Econômico tutela não somente os bens jurídicos individuais, mas também os postulados liberais da pós-modernidade, representados por direitos fundamentais positivos acobertados pela Constituição.

Pois bem. Sem olvidar dos fundamentos perpetrados pela Procuradoria Geral da República, entende-se ter sido de bom alvitre a manutenção, por parte da Corte Constitucional, das medidas despenalizadoras concedidas anteriormente pelo Legislador Ordinário, tanto em relação à suspensão (sobrestamento) da pretensão punitiva com o parcelamento do crédito tributário, quanto à sua extinção quando de seu pagamento integral.

Como bem pontuou o Relator da Ação Mandamental, há de ser louvada a opção política que vem sendo adotada no ordenamento jurídico brasileiro, vez que demonstra a prevalência do interesse do Estado na arrecadação das receitas provenientes dos tributos, para a consecução dos fins a que se destinam, em detrimento da aplicação da sanção penal2.

Isso porque, dado o caráter fragmentário do Direito Penal, a sua utilização deve ser adstrita à extrema relevância, o sendo de serventia subsidiária, a vista de prometer sua intervenção mínima (ultima ratio).

Seguidamente a isto, cumpre salientar que a garantia da extinção da punibilidade encontra-se prevista no Código Penal desde a sua redação original, em meados de 1940, com a promulgação do codex pelo então Presidente Getúlio Vargas.

Aliás, durante todo o ciclo republicano – excetuado pela presidência dos generais em 1964 – se foi intentada a diminuição do uso da força, e, consequentemente, almejada a incidência do Direito Penal somente quando as outras esferas do direito não se mostrassem suficientes.

Tal revanchismo, portanto, jamais poderia se justificar sob a retórica do financiamento estatal e da ofensa à política arrecadatória, posto que, na realidade, exatamente em busca da reparação ao dano causado ao erário público é que se visa coibir a prática da sonegação, por via transversa.

A repressão criminal somente se abrigaria nos casos em que o contribuinte não se socorrer à norma mais branda, havendo razão, nesse interim, de executar-se a longa manus do Estado aos anseios de salvaguardar o tesouro fazendário.

Dessa forma, a declaração de constitucionalidade dos dispositivos supramencionados não guarda descuido algum ao Sistema Fiscal, e sim, o oposto.

A conduta de sonegação fiscal continua sendo criminalizada3 , e deve ser aplicada sempre que prestada para tanto, o que não se pode confundir com a sua banalização, sob pena de estufar a criminalização de toda e qualquer situação que advenha de simples fato gerador tributário.

Destarte, ainda que o temor à criminalização pudesse ser empregado como modelo maximizador dos esforços arrecadatórios, esta estratégia estaria fadada ao fracasso.

Se assim não o fosse, a mera ameaça de imposição da reprimenda corporal (in carcere) ensejaria o adimplemento da responsabilidade tributária, o que, evidentemente, não acontece no Brasil; daí por vezes é questionado o recrudescimento do Direito Penal como ferramenta correcional.

Afora isso, é válido repisar que a seletividade do Sistema de Justiça Criminal é proveniente da desigualdade social e não pelas leis penais de per se 4 . Ou seja, a lógica social por trás da punição é o que legitima a sua desproporção, o que torna até irônico pensar que, ao clamar por uma punição igualitária (tanto de pobres quanto de ricos), acaba-se por segregar, ainda mais, o corpo social.

Como, então, poderia a irresignação pairar acerca da integridade da norma garantidora à finalidade social se a reparação do dano viria a exercer a função de arrecadação pretendida?5

Parece-me ser mais uma prática provinciana de ilusionismo penal, o que pode (e deve) ser solucionada por meio do questionamento voltado para a sua real motivação

Por que e a quem se pretende castigar?

 

 

__________________________

 

1 Arts. 3º e 5º, CF/1988.

2 Vide voto do Ministro Nunes Marques.

3 Arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/1990.

4 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia do Direito Penal, 3ª edição, Coleção Pensamento Criminológico. Instituto Carioca de Criminologia. Tradução Juarez Cirino dos Santos. Rio De Janeiro: Revan, 2002.

5 Rossi, J. M. V. M. SELETIVIDADE CRIMINAL E DIREITO PENAL ECONÔMICO: DA ESCOLA CONTRATUALISTA À CRÍTICA. Disponível em: https://ibccrim.org.br/media/posts/arquivos/29/Artigo5.pdf

 

 


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Artigo escrito por:

Lucas Moraes

Lucas Moraes

Advogado na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
lucas.moraes@monteiro.adv.br

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