Dentro do direito municipalista, não é novidade que o repasse do FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), que vigorou entre Jan/1998 a Dez/2006, foi subestimado pela União Federal para vários municípios brasileiros. O resultado disso foi o ajuizamento de ações judiciais por diversos entes municipais, com o objetivo de pleitear o direito ao recebimento das diferenças devidas pela União.
Ocorre que, depois de incansáveis anos de disputa judicial, e com entendimento pacificado em relação à legalidade e à adequação da recuperação do FUNDEF desde 2008, o Departamento de Negociação da Procuradoria-Geral da União elaborou o Plano Nacional de Negociação nº 13, cujo fim é fomentar a autocomposição em processos que tratam do recálculo do valor mínimo anual por aluno – VMAA do FUNDEF.
Na prática, de fato tem-se observado uma forte movimentação por parte dos procuradores da AGU para fomentar os acordos entre municípios e União. E a autocomposição seria uma ótima saída, não fosse a má-fé e indução ao erro que não raro existe nos acordos, como abaixo se exemplificará.
Do deságio disfarçado
O acordo entre Município e União Federal é simples: o município renuncia ao direito de continuar perseguindo seu precatório no Judiciário e, em contrapartida, a União Federal pagará os valores devidos com um deságio que, nos autos do acordo, é estimado em 20% a 30% do crédito.
O problema é que o deságio real é muito maior, chegando a 70% ou 85% do crédito!
É que, na grande maioria dos casos, uma ação judicial para recuperação do FUNDEF contempla apenas parte do período entre Jan/1998 e Dez/2006. Isto é, o Município normalmente tem algumas ações de recuperação em voga – cada uma pleiteando uma parcela do intervalo temporal no qual vigorou o FUNDEF.
Ao assinar o acordo em uma dessas ações, a União induz o Município a declarar inexistir quaisquer direitos decorrentes do fato ou fundamento jurídico que deu origem a qualquer processo de FUNDEF, dando ampla e geral quitação.
Isso quer dizer que, uma vez homologado, o acordo abarcaria rubricas que nem mesmo estão sendo discutidas naquele processo judicial (já que se referem a valores relativos a períodos não abarcados pela ação judicial), mas que possuem o mesmo fundamento jurídico.
Pior: o acordo pode até mesmo abarcar discussões posteriores que têm fundamento jurídico parecido, como as atuais ações de recuperação das diferenças no FUNDEB dos últimos 05 anos.
O efeito prático disso é: a autocomposição mascara um deságio que liquefaz grande parte do direito de recebimento do Município, o que constitui GRAVE LESÃO aos cofres públicos.
Da indução ao erro
Não raro os altos deságios descritos na seção anterior passam despercebidos pelas procuradorias municipais. Mas isso não é coincidência. A PGFN expressamente prevê, nos autos do acordo, um deságio proporcional (digamos, 20-30%), quando, na prática, é muito maior.
Os municípios estão sendo induzidos a erro nestes acordos. Concordando com documentos e cálculos produzidos unilateralmente pela União Federal, abrindo mão de valores que constam em outros processos judiciais e até mesmo renunciando à faculdade de discutir os repasses a menor que foram feitos em relação ao FUNDEB nos últimos 05 anos.
Da indevida inclusão honorários advocatícios
O que mais intriga é que essa movimentação de autocomposição por parte da União Federal ganhou grande força principalmente após o julgamento da ADPF nº 528 – julgamento com eficácia “erga omnes” e efeito vinculante em que restou reconhecida a constitucionalidade do pagamento de honorários advocatícios contratuais em ações de FUNDEF, contanto que incluídos dentro da rubrica dos juros moratórios.
Além de induzir o ente municipal a erro, algumas propostas de acordo da PGFN ignoram o fato de haver honorários advocatícios dentro do valor objeto de autocomposição!
Ora, qualquer composição entre o cliente e a parte contrária, por expressa vedação legal, não pode alcançar o crédito inerente aos honorários advocatícios contratuais e sucumbenciais, de titularidade exclusiva do advogado, e que representa a remuneração pela efetiva prestação de serviço ao município.
Há, aliás, jurisprudência no STJ de que os honorários advocatícios pertencem exclusivamente ao advogado (art. 23 da Lei 8.906/94), e, por isso, apenas ele pode daqueles dispor. Assim, qualquer renúncia ou acordo realizado entre as partes somente atinge a verba honorária se o causídico anuir com tal deliberação.
Conclusão
Em resumo, o Município parte de uma noção falsa de acordo benéfico à sua população que, ao se sujeitar a maior escrutínio, revela-se viciado e mal-intencionado, de modo que, se convalescido, implicaria na perda de receita que é de total interesse público, violando a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O cálculo do falso deságio influencia diretamente na formação de vontade do Ente Público; afinal, o interesse na autocomposição parte de uma noção inexata de que o acordo seria vantajoso, sem observar as reais consequências que a convalidação desse ato poderia trazer.
Assim, se por um lado a litigiosidade deve ser prevenida e reduzida, por outro não se deve reduzi-la via acordos leoninos que sujeitam o ente municipal a total desvantagem, acarretando gravosos prejuízos ao investimento em Educação e aos interesses da população.
Artigo escrito por:

Caio Campos
Advogado na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
caio.campos@monteiro.adv.br