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Fim Do Voto De Qualidade No CARF – LEI 13.988/2020

A questão da legalidade e constitucionalidade do chamado voto de qualidade no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) sempre foi pauta de muita discussão. 

 

O CARF é órgão colegiado integrante do Ministério da Fazenda, responsável pela fase recursal do contencioso administrativo federal, com encargo de certificar à sociedade imparcialidade, neutralidade e celeridade na solução dos litígios tributários. É órgão paritário, de composição dividida entre representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes.

 

As Turmas de Julgamento do CARF são inteiradas por oito conselheiros, quatro representantes dos Contribuintes e quatro representantes da Fazenda Nacional, sendo incumbida a um membro desta última categoria a função de Presidente de Turma. Isto é, o Presidente da Turma é sempre um representante do Fisco e, em caso de empate de votação de um recurso, ele detém o poder de prolatar o voto de qualidade como um instrumento excepcional. 

 

Assim, os Presidentes das Turmas Julgadoras votariam duas vezes em uma sessão de julgamento, tendo em vista que, além de apresentar o “voto de minerva” nos casos de empate, já haviam prolatado anteriormente o seu voto ordinário.

 

As normas internas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também abrangem hipóteses de voto de qualidade, entretanto, muito diferente da realidade no âmbito administrativo (onde o voto duplo é bastante comum), esse é admissível em situações atípicas. 

 

Como consequência, o que muito se indagava é, diante deste cenário, se porventura persistisse dúvida sobre a continuidade ou não do lançamento tributário, sendo o empate na votação, o epílogo seria habitualmente em desfavor do contribuinte em função do voto de qualidade proferido pelo Presidente da Turma Julgadora? E ainda, ao praticar a sistemática de voto duplo sempre em desfavor do contribuinte o tribunal administrativo estaria deixando de respeitar aos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade?

 

Tal cenário foi alterado em 14/04/2020 com a conversão da “MP do contribuinte legal” em lei. A Lei 13.988/2020 veio para estabelecer diretrizes para transações tributárias e, dentre seus destaques, trouxe o fim do voto de qualidade no CARF. 

Conforme o texto, sancionado sem vetos pelo presidente Jair Bolsonaro, os julgamentos do CARF não terão mais o voto de desempate do Presidente das turmas ou câmaras do órgão, cargo sempre ocupado por servidores da Receita.

 

O artigo 28 da nova Lei inclui o art. 19-E à Lei 10.522/02, que prevê que, em caso de empate no julgamento de processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, a decisão será favorável ao contribuinte, sem necessidade do voto de desempate.  Tal dispositivo passou a entrar em vigor na data de sua publicação, sendo 14 de abril de 2020, conforme o art. 30, II da respectiva legislação. 

 

De um lado, os tributaristas militantes no Tribunal administrativo comemoram a alteração legislativa há muito debatida. Afirmam que o fim do voto de qualidade outorga legitimidade e credibilidade aos julgamentos, prestigia o princípio do in dubio pro contribuinte e, por fim, alcança o objetivo primário do Órgão, qual seja, um Tribunal paritário que tem a missão de julgar de forma igualitária e justa os litígios administrativos fiscais.   

 

De outro lado, os conselheiros da Fazenda entendem que o fim do voto de qualidade privilegia demais o contribuinte e pode reduzir a arrecadação do Estado e incentivar fraudes tributárias. Entendem, inclusive, que o desempate em favor do contribuinte sobrepõe-se à autuação da Receita Federal, um ato administrativo que tem presunção de legitimidade e é proferido em nome do interesse público.

 

Nesse ponto, importante destacar a existência de duas Ações diretas de inconstitucionalidade em trâmite no Supremo Tribunal Federal (ADI’s nº 6.309 e 6.403), propostas para verificar a adequação, em tese, do art. 28 da Lei 13/988/2020 ao texto constitucional vigente, bem como a existência de Ação Civil Pública proposta pelo Instituto de Defesa em Processo Administrativo (Indepad) em face da União questionando o fim do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Processo nº 1023961-69.2020.4.01.3400, em trâmite na 17ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal. 

 

Diante desse cenário surge o questionamento: a extinção da metodologia de desempate no CARF resolve os problemas de parcialidade do tribunal administrativo ou pode piorar a qualidade de julgamento do órgão?

O que não se pode negar é que nos últimos anos o voto de qualidade servia unicamente para validar as autuações do Fisco. A posição atécnica do CARF, sustentada pelo voto de desempate fazendário, sempre concluía pela manutenção das autuações mesmo quando existentes provas e argumentos jurídicos consistentes em contrário, principalmente em casos com maiores valores envolvidos. 

 

A alteração legislativa evidencia respeito ao artigo 112 do CTN que determina que a interpretação da lei tributária deve ser a mais favorável ao contribuinte. O artigo diz que “a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: à capitulação legal do fato; natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; autoria, imputabilidade, ou punibilidade; ou à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação”. 

 

Estudos de jurisprudência já revelaram que o CARF, exatamente por essa disparidade, funciona como um tribunal meramente arrecadatório, de modo que somente entre os anos de 2000 e 2015, 75% de todos os julgamentos foram favoráveis ao Fisco, e 100% dos votos de minerva foram desfavoráveis ao contribuinte, conforme aponta o site do CONJUR.

Segundo a PGFN, de 2016 a 2019 aproximadamente R$ 89 bilhões de crédito tributário foram mantidos pelo voto de qualidade, apenas nas turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais

 

O resultado de tal alteração legislativa ainda deve trazer muita discussão entre os especialistas, principalmente após o resultado dos primeiros julgamentos sob a ótica das novas regras, o que apontará se o “problema” do CARF era o voto de qualidade, enquanto instrumento de resolução de empate nos julgamentos, ou a falta de renovação em sua estrutura e normatização. 

 

Ao fim, o que se espera é que tenhamos mais qualidade nos votos do que votos de qualidade, retirando o CARF da condição de tribunal de passagem. 

 

Artigo escrito por:

Bruna Miranda

Bruna Miranda

Advogada na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
bruna.miranda@monteiro.adv.br

Beatriz Barbosa

Beatriz Barbosa

Advogada na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
beatriz.barbosa@monteiro.adv.br

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