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Incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a execução fiscal

Os processos de execução fiscal representam cerca de 36% do total de casos pendentes, historicamente sendo a maior taxa de congestionamento na Justiça Federal, visto que o tempo de giro desses processos é de aproximadamente 8 anos e 1 mês.

 

Apesar da queda, sendo a maior desde 2009, as execuções fiscais ainda têm sido o principal fator de morosidade do Poder Judiciário, conforme avaliado pelo Conselho Nacional de Justiça. Isto porque, após as diversas tentativas administrativas, o judiciário acaba por repetir etapas e providências de localização do patrimônio ou devedor, a fim de satisfazer o crédito tributário, provocando uma probabilidade mínima de recuperação.

 

A execução fiscal encontra-se regulada pela Lei nº 6.830/1980 e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. O processo de execução fiscal nada mais é do que a cobrança de um título executivo extrajudicial.

 

A dívida ao Estado, tributária ou não tributária, compreende o valor principal, atualização monetária, juros, multa de mora e os demais encargos previstos em lei ou contrato, nos termos do art. 2º, §2º da Lei nº 6.830/1980. A sua inscrição é feita por meio de procedimento administrativo, que quando instaurado o devedor deverá ser notificado para pagar o valor devido ou apresentar suas razões de defesa. Caso não haja o pagamento ou não seja apresentada defesa, será inscrito em dívida ativa. Com a inscrição, suspende-se a prescrição por 180 dias ou até a distribuição da execução fiscal, que se opera com o despacho que ordena a citação no referido processo.

 

O polo passivo da execução fiscal é o devedor constante da certidão de dívida ativa ou pelos seus sucessores a qualquer título, podendo ainda ser promovida contra garantidor da dívida ou contra a pessoa obrigada a satisfazer a obrigação, a exemplo do fiador, espólio, massa falida, ou responsável por dívidas tributárias ou não tributárias. Ressalta ainda que também é possível que a Fazenda Pública atue como polo passivo, conforme leciona a Súmula 279 do STJ.

 

O artigo 135 do CTN valida o redirecionamento do executivo fiscal para as pessoas físicas do sócio-gerente ou diretor, quando houver prova inequívoca de que os tributos não foram recolhidos, em casos de dolo ou culpa. Ou seja, o não recolhimento por si só, não pode constituir infração legal, sendo necessário a atuação com excesso de poderes ou infração de contrato social ou estatuto.

 

Ademais, as obrigações devem decorrer de fatos que aconteceram durante seu gerenciamento ou participação na sociedade e, ainda, com a intenção de burlar a lei. Um exemplo prático é quando a empresa não funciona mais no endereço constante na junta comercial, havendo indício de dissolução irregular da sociedade.

 

Nos termos da Súmula 435/STJ, “presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”

 

A instauração do incidente é considerada intervenção de terceiro, disciplinada nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil. Tem como finalidade assegurar o contraditório ao terceiro que possa vir a ser responsabilizado e passar a sofrer constrição judicial futura, sendo cabível em qualquer fase do processo, até mesmo no âmbito dos Juizados Especiais.

 

Além disso, o incidente pode ser requerido na própria petição inicial, em que o sócio será citado em litisconsórcio eventual, sendo dispensável a instauração do incidente. Caso seja posterior à inicial, o incidente irá suspender a execução. O sócio, então, terá 15 dias para apresentar manifestação e requerer provas cabíveis.

 

Caso seja acolhida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio será parte passiva, cabendo agravo de instrumento contra tal decisão, que será processado e julgado pelo relator. Ademais, é possível que seja concedida tutela de urgência ou evidência, em caso de requerimento da parte, para determinar, por exemplo, o bloqueio de ativos do sócio ou tornar indisponível bens para garantir futura penhora.

Transitado em julgada o decisório, produz coisa julgada naquela e em outras execuções propostas pelo mesmo ente público contra a mesma sociedade. Assim, o título executivo que se forma é a decisão proferida no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, instaurando, em seguida, o cumprimento de sentença contra o sócio, passível sua defesa por meio de impugnação.

No Agravo Interno no REsp 1.182.462/AM, o STJ entendeu que a responsabilidade patrimonial secundária do sócio funda-se na regra de que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa.

Por fim, colhe-se breve trecho da decisão do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.104.109/RJ, relatado pela Ministra Eliana Calmon: “Com efeito, somente aquilo que resultou do processo administrativo fiscal possui presunção de certeza e de legitimidade. Somente o resultado da atuação das partes em contraditório na formação do título executivo confere-lhe a presunção de legitimidade própria dos atos administrativos. A participação do devedor na formação do título executivo é uma constante em nosso sistema processual”.

Destes casos, conclui-se que para o redirecionamento da dívida tributária deve ser comprovado que o sócio ou diretor agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto. É necessária ainda a instauração da desconsideração da personalidade jurídica, respeitando o contraditório e coisa julgada da decisão que acatou tal incidente.

Assim, a regra é a de que os sócios e os diretores de pessoas jurídicas não respondem pessoalmente pelos tributos devidos pelas pessoas jurídicas, e, excepcionalmente, responderão quando devidamente comprovadas que agiu com dolo ou culpa, o que então legitimará a Administração Pública a incluir o corresponsável na Certidão de Dívida Ativa.

Portanto, a fim de não transformar a responsabilidade subjetiva do sócio diretor em objetiva, faz-se necessária a verificação por meio do incidente de desconsideração da pessoa jurídica para o prosseguimento da ação de execução fiscal contra o corresponsável.

 

Fontes bibliográficas

 

BRASIL. LEI Nº 6.830, DE 22 DE SETEMBRO DE 1980. CÓDIGO CIVIL. Brasília, DF, set 1980. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm>. Acesso em: 12/02/2022

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BRASIL. LEI Nº 13.105, DE MARÇO DE 2021. Brasília, DF, mar 2015 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso 21.02.2022

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.104.064/RS, da 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, Brasília, DF, publicado em 14 de dezembro de 2010. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1026331&num_registro=200802469460&data=20101214&formato=PDF>. Acesso em: 14.02.2022

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.193.789/SP, da 4ª Turma, Relator Ministro Raul Araújo, Brasília, DF, publicado em 29 de agosto de 2013. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1153509&num_registro=201000850366&data=20130829&formato=PDF>. Acesso em: 15.02.2022

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.104.900/ES, da 1ª Turma, Relatora Ministra Denise Arruda, Brasília, DF, publicado em 01 de abril de 2009. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=869294&num_registro=200802743578&data=20090401&formato=PDF>. Acesso em: 14.02.2022

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.104.064/RS, da 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, Brasília, DF, publicado em 14 de dezembro de 2010. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1026331&num_registro=200802469460&data=20101214&formato=PDF>. Acesso em: 14.02.2022

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.182.462/AM, da 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Fux, Brasília, DF, publicado em 14 de dezembro de 2010. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=999469&num_registro=201000321007&data=20101214&formato=PDF>. Acesso em: 14.02.2022

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo 1.247.879/PR, da 1ª Turma, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Brasília, DF, publicado em 25 de fevereiro de 2010. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=945261&num_registro=200902151295&data=20100225&peticao_numero=200900319251&formato=PDF>. Acesso em: 14.02.2022

CARNEIRO, Claudio. Curso de Direito Tributário e Financeiro, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016.

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo, 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016.

ASSIS, Araken de. Manual da execução, 5ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

Artigo escrito por:

Marcela Caribé

Marcela Caribé

Advogada na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
marcela.caribe@monteiro.adv.br

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