O sistema tributário brasileiro é um dos mais complexos do mundo, com uma estrutura burocrática estatal cada vez mais desordenada. É comum que o ente político aparente acreditar que quanto mais normas regulamentares expedir, maior controle terá sobre os seus administrados. Um estudo realizado pelo IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação apurou a quantidade de normas tributárias editadas após a Constituição de 1988, constatando que “Só de normas tributárias, são 320.343. Uma média de 46 a cada dia útil”. Essa quantidade de normas, ouso dizer, mais atrapalha do que auxilia nosso sistema tributário, haja vista ser quase impossível o contribuinte ter ciência de todas as normas e suas alterações cotidianas, fazendo com que, nas relações jurídico-tributárias, nunca saibam se estão apurando e pagando os tributos de forma correta, ou prestando as informações ao Fisco da maneira adequada.
Dentro do debate sobre normatividade tributária emerge o tema dos costumes e práticas. Existe várias situações em que o sentido da norma é determinado não por sua forma escrita, mas por meio das práticas reiteradas das autoridades administrativas, fazendo com que o contribuinte paute suas decisões a partir da forma como a autoridade fazendária se posiciona sobre determinado assunto, mesmo que não exista um documento oficial sobre esse posicionamento.
De fato, a prática reiterada da autoridade fazendária é, por expressa disposição legal (art. 100, inciso III, do Código Tributário Nacional), norma complementar, pelo que a sua observância pelo contribuinte exclui a imposição de penalidades (art. 100, parágrafo único, do CTN).
Acontece que são diversas as situações em que o contribuinte é punido justamente por se pautar pela prática reiterada do Fisco. A título de exemplo, imagine-se um contribuinte que apure e recolha os valores devidos de ICMS pela sistemática do crédito x débito (não-cumulatividade), e, após passar por diversas fiscalizações sem, contudo, sofrer qualquer autuação fiscal, seja surpreendido com a lavratura de Auto de Infração pelo Fisco Estadual, requerendo o diferencial de ICMS dos últimos 5 anos sob o argumento de que o imposto deveria ter sido pago pela sistemática da Substituição Tributária.
Essa “mudança de postura” do Fisco (quase que um venire contra factum proprium para o civilista) equivale a uma alteração repentina de sua posição, de sua prática reiterada para com os contribuintes. No exemplo dado, resta claro que, tendo sido fiscalizado várias vezes e face à ausência de qualquer lançamento tributário, o contribuinte acreditou que a sua operação estava correta e em conformidade com o entendimento da autoridade fiscal.
É exatamente para casos como esse que as práticas reiteradas do Fisco são fonte legítima da normatividade tributária, conforme previsão do CTN. Nosso Código Tributário, neste caso, não impede a fiscalização ou impossibilita a cobrança pelo Fisco; no entanto, por força da vinculação às práticas reiteradas da autoridade fazendária, os efeitos da mudança de postura não poderiam retroagir. É dizer: a Administração Pública pode a qualquer tempo revisar seus atos, mas, uma vez determinada a existência de uma prática reiterada do Fisco, a legislação impede a imposição de penalidades provenientes da revisão.
Mas e em relação à exigibilidade do próprio tributo em razão da alteração da prática reiterada da administração fazendária? O Código Tributário Nacional, em seu art. 146, determina que a modificação nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento só pode ser efetivada quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.
Uma vez reconhecida a normatividade do costume fiscal e uma vez alterado o critério jurídico consolidado pela prática reiterada da administração fazendária, os efeitos não podem retroagir com relação às penalidades e, também, com relação ao próprio tributo. As administrações fazendária e tributária não podem ser pensadas ao largo das noções de segurança jurídica, confiança e boa-fé; na verdade, deve-se oferecer regras claras que garantam a segurança jurídica aos agentes econômicos envolvidos, à contabilidade comercial e fiscal, à administração, à fiscalização dos tributos etc.
Saliente-se que a normatividade das práticas reiteradas não está propriamente na formalidade que as reveste, mas sim no TEMPO, cujo transcurso consolida uma prática reiterada e a confere normatividade. É justamente em razão do tempo que a retroatividade dos efeitos da mudança da prática se torna problemática, eis que os efeitos da alteração do critério jurídico retroagiriam ao período que contribuiu para que a prática se conformasse em norma jurídica. Se os efeitos dessa alteração retroagissem no tempo, eles maculariam justamente o elemento que juridicizou determinada prática reiterada, que a tornou norma complementar em Direito Tributário.
A expectativa normativa exerce a função de estabilização das relações sociais e o Direito nada mais é do que um exemplo privilegiado dessa institucionalização. As normas jurídicas acabam sendo um produto institucionalizado da generalização das expectativas normativas realizada na comunicação social, pelo que se conclui que o Direito não deve se reduzir a um apanhado de textos.
Referência:
https://ibpt.com.br/brasil-cria-em-media-46-novas-regras-de-tributos-a-cada-dia-util/
Código Tributário Nacional – CTN.
Artigo escrito por:

João Carlos
Advogado na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
joão.carlos@monteiro.adv.br