O Plenário do Supremo Tribunal Federal pautou para o dia 11/05/2022 o julgamento dos Recursos Extraordinários 949.297 e 955.277, ambos com repercussão geral conhecida (Temas de nº 881 e 885, respectivamente). A discussão impacta diretamente os efeitos da coisa julgada nas relações tributárias de trato continuado[i].
Através dos paradigmas supracitados, a Corte irá definir se, após a mudança jurisprudencial, em sede de controle concentrado de constitucionalidade[ii], sobre a incidência de determinado tributo, ainda haveria a necessidade de propor ação rescisória para revogar uma decisão transitada, ou se haveria quebra automática dos efeitos de um título judicial a partir do novo entendimento consolidado.
O caso concreto que será debatido envolve a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). No começo da década de 90, o STF entendeu, em julgamento realizado em sede de controle difuso[iii], pela inconstitucionalidade do referido tributo[iv] por ofensa ao princípio da anterioridade.
Ocorre que, em 2007, 15 anos após aquele julgado, o Supremo apreciou novamente a controvérsia[v], dessa vez em sede de controle concentrado, e alterou sua jurisprudência, entendendo pela constitucionalidade da CSLL. Em virtude disso, a União passou a defender que a mudança do paradigma permitiria ao fisco lançar e cobrar automaticamente a contribuição, sem a necessidade de propor uma ação rescisória ou revisional para tanto.
A posição da União é temerária. Se for acatada pelos Ministros, pode gerar uma onda de insegurança jurídica sem precedentes, visto que a temática não ficará adstrita ao leading case, sofrendo impacto direto na cobrança de outros tributos pagos de forma continuada e com mudanças jurisprudenciais semelhantes.
A título de exemplo, nos idos de 2014, ao julgar o Tema Repetitivo nº 479[vi], o STJ havia concluído pela ilegalidade da incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o valor pago a título de um terço de férias. Assim, muitas empresas que discutiam a matéria nos tribunais afora, à época do julgamento, obtiveram o trânsito em julgado favorável em suas ações e começaram, naturalmente, a desonerar a sua folha com base no precedente vinculante[vii] vigente.
No entanto, em agosto de 2020, no julgamento do Tema 985[viii], em sentido inverso, o STF reconheceu a constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre a referida rubrica. Nesse contexto, caso a tese da União vingue, as empresas poderão sofrer atuações do Fisco com a cobrança de juros e multa.
Em outras palavras, se o Supremo entender pela cessação da eficácia da coisa julgada, sentenças favoráveis ao contribuinte e já transitadas serão automaticamente quebradas, dando o respaldo para o Fisco exigir o tributo, uma vez já declarado inconstitucional, sem que para isso seja necessário observar qualquer formalidade jurídica.
É imperioso que se observe que a coisa julgada é uma cláusula pétrea da Constituição, que não pode ser alterada nem mesmo por emenda constitucional. Desse modo, o Código de Processo Civil já estabelece os meios cabíveis[ix] para a eventual relativização de uma decisão judicial final, com o objetivo de proteger o direito à segurança jurídica, premissa basilar de um Estado Democrático.
Ademais, o próprio Supremo Tribunal Federal julgou recentemente a repercussão geral do Tema nº 136, definindo a seguinte tese: “Não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente“.
Espera-se que a mesma lógica utilizada para criar o precedente supracitado seja aplicada no julgamento a ser realizado em maio, a fim de não se gerar ainda mais instabilidade jurídica no ambiente tributário brasileiro, já tão tumultuado como se encontra.
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[i] Que envolvem a renovação de fatos idênticos no tempo, como o pagamento de tributos.
[ii] No controle concentrado, o STF decide em tese sobre a constitucionalidade de uma lei e o julgado possui efeito erga omnes.
[iii] No controle difuso ou incidental, o entendimento firmado no julgamento, via de regra, só gera efeitos “inter partes’.
[iv] Recursos Extraordinários nº 138.284/CE sob a relatoria do Ministro Carlos Velloso e 146.733/SP de Relatoria do Ministro Moreira Alves.
[v] ADI nº 15/DF.
[vi] Recurso Especial nº 1.230.957/RS sob a relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques.
[vii] Artigo 927, III, CPC/15.
[viii] Recurso Extraordinário nº 1.072.485/PR Sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio.
[ix] Ação rescisória prevista no artigo 966 e ação revisional prevista no artigo 535, ambos do CPC/15.
Artigo escrito por:

Brunno Barroso
Advogado na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
bruno.barroso@monteiro.adv.br