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A arbitragem como possibilidade na Administração Pública

O Poder Público experimenta atualmente um grande desafio no que toca à crescente litigiosidade, tanto na esfera administrativa, quando, com mais intensidade, na judicial. Para evitar o assoberbamento das varas fazendárias, a morosidade na conclusão dos processos judiciais, o comprometimento do erário e o desgaste da administração, a arbitragem aparece como uma possibilidade inovadora para a solução das controvérsias.

 

Historicamente há três correntes doutrinárias que abordam a arbitragem na administração pública no Brasil: (1) aquela que, baseada na concepção rígida de indisponibilidade do interesse público, não aceita a arbitragem em contratos administrativos e em litígios envolvendo o Poder Público; (2) aceitação universal da arbitragem, mesmo sem lei específica, com supedâneo na diferenciação entre os conceitos de interesse público primário e secundário; e, (3) aquela que admite o procedimento arbitral para os contratos, atividades e litígios em relação aos quais exista lei própria, em atenção ao princípio da legalidade estrita.

 

A primeira vertente encontra-se atualmente superada, sobretudo em razão da Lei n. 13.129/2015, a qual concedeu maior abrangência à redação da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/1996), ao apresentar disposição expressa prevendo a arbitragem em litígios com participação do Poder Público, in verbis: “A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (art. 1º, § 1º, com nova redação). O texto legal indica, entrementes, que há prevalência da ideia de que o procedimento arbitral possui ampla e universal aplicabilidade para os contratos, atividades e litígios envolvendo a Administração Pública, independentemente de previsão legal específica.

 

Aliás, antes mesmo da edição do referido dispositivo, a arbitragem já era prevista como meio de solução de conflitos administrativos nas leis que regulam as parcerias público-privadas (art. 11 da Lei n. 11.079/2004) e as concessões públicas (art. 23-A da Lei n. 8.987/1995). Os reflexos dessa inovação se espraiaram por todo o ordenamento administrativo, com vistas à universalização do procedimento arbitral para todas as esferas do domínio público, a exemplo do que dispõe o art. 151 da Nova Lei de Licitações (Lei n. 14.133/2021), que expressamente autoriza que litígios envolvendo as concorrências públicas sejam resolvidos por métodos consensuais ou heterocompositivos não jurisdicionais, como a arbitragem.

 

O Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial nº 904.813/PR, albergando a ideia que levou às inovações legislativas acima mencionadas, decidiu que “não existe óbice na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos”. Sinaliza, inclusive, que a escolha pela arbitragem pode se dar tanto antecipadamente à existência do conflito — cláusula arbitral aposta em contratos administrativos — quanto com o seu surgimento, mediante compromisso arbitral, já que, segundo decidiu, “o fato de não haver previsão de arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente”.

 

Pacificada a possibilidade de arbitragem na esfera pública, importante ressalva deve ser feita. Na medida em que a Administração Pública deve guiar-se pelos princípios constitucionais previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal — legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência —, uma vez escolhida a arbitragem para a solução de conflitos, deve ela responder exclusivamente a julgamento baseado na lei, excluído qualquer critério de equidade.

 

Como se sabe, por escolha das partes, a arbitragem poderá ser realizada mediante pressupostos de legalidade ou de equidade. O primeiro método orienta que a solução da controvérsia se dê com base em disposições legais e interpretações extraídas de fontes eminentemente jurídicas. A equidade, por outro lado, autoriza que os árbitros se afastem das regras de Direito para buscar a solução considerada mais justa à contenda.  Em obediência do princípio da legalidade, a arbitragem na Administração Pública não poderá ser conduzida mediante critérios de equidade, sendo admitida apenas a arbitragem na modalidade legalista.

 

Seguindo essa linha de raciocínio, a escolha do juízo ou tribunal arbitral responderá exclusivamente aos princípios da impessoalidade e da moralidade, tornando-se indispensável a abertura de procedimento concorrencial para a investidura do árbitro, ainda que ao seu final a Administração conclua pela necessidade e conveniência de contratação direta, mediante decisão por inexigibilidade licitatória.

 

Também visando a transparência pública e respeitando o princípio da publicidade, a arbitragem envolvendo ente da Administração Pública, direta ou indireta, não poderá ser regida por sigilo ou confidencialidade. 

 

Na sentença arbitral, ao se impor uma condenação em pecúnia ao Poder Público, a dispensa de precatório seguirá o regime constitucional, só ocorrendo quando o ente da Administração Pública indireta for uma sociedade de economia mista ou uma empresa pública inserida em regime jurídico que obedeça ao direito privado. Para todos os demais casos, a condenação imposta pela sentença arbitral será título executivo hábil à inscrição de precatório ou à requisição de pequeno valor (RPV).

 

Diante de todo o exposto, uma vez adaptada aos princípios e à realidade da Administração Pública, a arbitragem se firma como uma possibilidade real, tanto do ponto de vista legal quanto prático, sobretudo diante das inovações legislativas levadas a cabo nos últimos anos, e deve ser prestigiada como forma mais célere, mais satisfatória, e por vezes mais barata, de solução de conflitos envolvendo os entes públicos.

 

 

Referências:

 

 

CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Administração Pública – Primeiras reflexões sobre Arbitragem envolvendo Administração Pública. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo, ano XIII, n. 51, p.7-21, set. 2016.

 

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo – 13. ed., totalmente reformulada. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

 

DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Transação e arbitragem no direito tributário: paranóia

ou mistificação. Disponível em: http://www.transparencia.org.br/docs/desanti.pdf. Acesso em 01/07/2021.

 

DELGADO, José Augusto. A Arbitragem no Brasil – Evolução Histórica e Conceitual.

Disponível em: http://www.escolamp.org.br/arquivos/22_05.pdf. Texto de 2021.

[1] STJ, 3ª Turma, REsp 904.813/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi j. 2010.2011, Dje 28.02.2012

 

Artigo escrito por:

Olavo Magalhães

Olavo Magalhães

Advogado na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
olavo.magalhaes@monteiro.adv.br

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