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A ilegalidade da cobrança antecipada do ICMS

Dos impostos do Sistema Tributário Nacional, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de transportes interestadual e de Comunicação, o ICMS, é o mais disciplinado constitucionalmente. Isto porque, provavelmente, é a principal fonte de Receita dos Estados e Distrito Federal, o que potencializa os problemas vindos da guerra fiscal entre as vintes e sete entidades da federação.

O constituinte busca, na verdade, uniformizar a legislação, cabendo a lei complementar disciplinar acerca dos seus contribuintes, regimento de compensação, isenções e incentivos, entre outros. Para tanto, fora criada a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996), da qual, em seus arts. 2º e 12o, extrai-se fatos geradores genéricos, que amparam a legislação estadual para materializar a incidência do ICMS.

Com a Emenda Constitucional nº 03/93, incorporou-se o art. 150, §7º, que autorizou a cobrança tributária antecipada pelos Estados de maneira expressa na Carta Federal:

“Art. 150, § 7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”

O ICMS recolhido antecipadamente pelo contribuinte substituto, também conhecido como ICMS Substituição Tributária (ICMS-ST), progressiva ou para frente, concentra e/ou transfere a responsabilidade tributária da obrigação ao referido contribuinte, afastando, portanto, a atuação daquele que está na ponta da cadeia que, no caso de alguns produtos, é o revendedor tido como contribuinte substituído. O contribuinte substituto toma por base um preço presumido pelo Estado para aplicar a alíquota e recolher o imposto.

As problemáticas se apresentam pelo descompasso entre o valor presumido e aquele de fato observado na realidade de mercado, o que viola o princípio de legalidade. Avaliando as questões constitucionais postas, o Supremo Tribunal Federal julgou temas históricos, quais sejam 201/STF e 456/STF.

No dia 19/10/2016, a Corte Suprema decidiu favoravelmente ao contribuinte e fixou a seguinte tese: “É devida a restituição da diferença do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida.” Registra-se que houve modulação dos efeitos da decisão, reconhecendo o direito ao ressarcimento apenas as operações efetivadas após referido julgamento (dia 19/10/2016), com exceção aos estados de São Paulo e Pernambuco, cujas leis foram declaradas constitucionais pelo STF, de modo que as empresas localizadas nesses estados poderão ingressar em juízo para recuperar os últimos 5 (cinco) anos.

Por sua vez, o estado de São Paulo, por meio da Lei nº 17.293/2020, autorizou a cobrança de complemento do imposto retido quando o valor da operação for maior que a base de cálculo, servindo como meio indireto de coação àqueles que pretendem exercer seus direitos.

Ocorre que não há previsão constitucional sobre a possibilidade do referido complemento. Ademais, a técnica de arrecadação antecipada foi desenhada para necessidade do Fisco, posto que diminui o risco de inadimplência, concentrando recolhimento e fiscalização. Ainda assim, o Supremo não tratou acerca da cobrança do complemento, bem como não há lei complementar da matéria, conforme estabelece o art. 146, III, “a”, da Constituição.

Já em março de 2021, uma outra questão acerca do imposto estadual foi levada ao Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário 598.677/RS, sob repercussão geral (Tema 456/STF), restando fixada a seguinte tese: “A antecipação, sem substituição tributária, do pagamento do ICMS para momento anterior à ocorrência do fato gerador necessita de lei em sentido estrito. A substituição tributária progressiva do ICMS reclama previsão em lei complementar federal.”

Discutiu-se acerca da legitimidade de decreto executivo do Rio Grande do Sul que antecipa a cobrança do ICMS próprio – e, portanto, não sujeito à substituição tributária – para momento anterior à ocorrência do fato gerado. Tal situação acontece principalmente nas operações em que o comerciante adquire mercadorias em outros Estados, sem a retenção antecipada do ICMS, por inexistir convênio que se aplique ao remetente a condição de substituto tributário, lhe obrigando a recolher o imposto das operações seguintes, quando a mercadoria entra no Estado.

Na prática, exigir o recolhimento antecipado do tributo por mero decreto viola o princípio da legalidade. Entende-se que é antecipado o critério temporal da hipótese de incidência, sendo inconstitucional a regulação da matéria por decreto do poder executivo, já que este aspecto do fato jurídico tributário está submetido à reserva legal.

Apesar do julgamento ser relativo às normas do Rio Grande do Sul, o Estado de São Paulo interveio como amicus curiae, devido à similaridade de decretos entre os estados. Como não houve criação nem por lei ordinária, nem por lei complementar, em ambos é possível buscar as restituições destes valores.

Assim, visto que há alteração de forma clara do momento de incidência, não há como ser afastada a necessidade da lei complementar formal, sendo possível o questionamento no Judiciário em razão da flagrante inconstitucionalidade.

Do que se expõe, nota-se que não raro os Estados praticam manobras para se beneficiar fiscalmente em detrimento dos contribuintes, seja cobrando o ICMS antecipadamente, seja por preço presumido, seja pela entrada do produto no estado sem amparo legal. Contra tais atos, os contribuintes têm a possibilidade de buscar os valores recolhidos indevidamente.

 

 

REFERÊNCIAS:

DUARTE, Francisco Leite, Direito Tributário. Ed. 2019, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019

BERGAMINI, Adolpho. Cursos de Tributos Indiretos. Volume I. 4ª Edição. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019

http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15346331573&ext=.pdf, acesso 18/08/2021

https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=12692057 , acesso 18/08/2021

https://www.conjur.com.br/2021-ago-15/costa-inconstitucional-cobranca-complemento-icms-st, acesso 18/08/2021

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso 18/08/2021.

Artigo escrito por:

Marcela Caribé

Marcela Caribé

Advogado na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
marcela.caribe@monteiro.adv.br

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