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Governança tributária, fim do voto de qualidade no CARF e o poder judiciário: Estamos no caminho certo?

Conceito ainda em desenvolvimento, a governança tributária pode ser tida como o conjunto de procedimentos cuja finalidade é o planejamento, organização e cumprimento de obrigações principais e acessórias de natureza tributária, incluindo as relações internas da gestão empresarial e as relações externas entre a sociedade empresarial e as autoridades competentes. 

A governança tributária está inserida dentro do planejamento estratégico das empresas visando evitar o recolhimento indevido de tributos, reduzir riscos decorrentes de inconsistências e mitigar a exposição fiscal, melhorando, por consequência, a margem de lucro, produtividade empresarial e relação com os stakeholders.

Em tempos de crise como esse, em que o mundo enfrenta o COVID-19 e seus impactos econômicos, o papel de um Estado atuante torna-se mais visível do que em qualquer outro momento. Passamos, então, a compreender a importância de uma sociedade organizada e geradora de recursos (que tem como origem principal os tributos) para que o Governo possa prover condições básicas aos cidadãos. 

Os tributos, mais do que uma fonte geradora de receita, desempenham um papel fundamental para a criação e fortalecimento de instituições, dos mercados e da democracia, tornando o Estado responsável perante os contribuintes. Promover um bom ambiente tributário é, portanto, uma questão de cidadania, que contribui de forma decisiva para o país formar suas características essenciais como nação.

A relação do Brasil com os tributos e o próprio sistema tributário, no entanto, está bem longe de boas práticas.

O CARF, criado em 2008 e resultado da unificação das estruturas administrativas do antigo Conselho dos Contribuintes, é responsável pela fase recursal do contencioso administrativo federal, com encargo de certificar à sociedade imparcialidade, neutralidade e celeridade na solução dos litígios tributários. É órgão paritário, de composição dividida entre representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes. 

O Órgão sempre teve reputação de ser eminentemente técnico, todavia, num período mais recente, as decisões passaram a ser questionadas com mais frequência quanto à imparcialidade e tecnicalidade, notadamente em relação a um pequeno percentual de processos (cerca de 7%), com grande representatividade em termos de valores, decididos pelo voto de qualidade na Câmara Superior de Recursos Fiscais, em sua grande maioria, a favor do Fisco. 

Estudos de jurisprudência já revelaram que o CARF, ao longo dos últimos anos, vem funcionando como um tribunal meramente arrecadatório, de modo que somente entre os anos 2000 e 2015, 75% de todos os julgamentos foram favoráveis ao Fisco, e 100% dos votos de minerva foram desfavoráveis aos contribuintes, conforme aponta o site CONJUR.

Segundo a PGFN, de 2016 a 2019 aproximadamente R$ 89 bilhões de crédito tributário foram mantidos pelo voto de qualidade, apenas nas turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais.

Encontram-se nesse “seleto” grupo de processos as controvertidas teses tributárias de amortização do ágio, dedutibilidade dos juros sobre capital próprio, natureza jurídica da Participação nos Lucros e Resultados, dentre outras.

Diante desse cenário e, já podendo ser considerado como o principal assunto do ano no âmbito do contencioso administrativo tributário, veio a conversão da “MP do contribuinte legal” em lei. A Lei 13.988/20 que estabeleceu novas diretrizes para transações tributárias e, dentre seus destaques, trouxe o fim do voto de qualidade. 

O artigo 28 da nova Lei inclui o art. 19-E à Lei 10.522/02 prevê que, em caso de empate no julgamento de processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, a decisão será favorável ao contribuinte, sem necessidade do voto de desempate, tendo tal dispositivo entrado em vigor na data de sua publicação, 14 de abril de 2020.

Os contornos da alteração legislativa, obviamente, chegaram ao Poder Judiciário que, recentemente, passou a se debruçar sobre a retroatividade da Lei para casos que foram julgados em desfavor dos contribuintes com o aval do antigo voto de qualidade. 

Em 26/07/2020 a Justiça Federal de Minas Gerais deferiu tutela provisória de urgência no Processo nº 1024238-49.2020.4.01.3800, aplicando retroativamente a Lei do Contribuinte Legal, sob justificativa de que o artigo 106 do Código Tributário Nacional possibilitaria a aplicação da alteração legislativa a fatos que ocorreram antes de sua edição. 

A citada decisão, contudo, foi posteriormente suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 1º Região (TRF1) em sede de agravo de instrumento interposto pela PGFN. A decisão monocrática proferida entendeu que mudança legislativa tem natureza de regra processual e não material, não cabendo, portanto, retroagir a lei aos julgados do CARF ocorridos antes de sua vigência. 

O processo administrativo objeto de análise pelo Poder Judiciário envolve discussão no importe de R$ 33 milhões de reais e a tese de inclusão das receitas de intermediação financeira na base de cálculo da Cofins.

Nesse diapasão, o que se pode inferir a partir da análise desse cenário controvertido e com enorme capacidade de desequilibrar a relação Fisco X Contribuinte? 

a)  Os textos legais das incontáveis normas tributárias necessitam de mais clareza e orientação. As lacunas existentes geram insegurança e comportam entendimentos absolutamente distintos entre as autoridades fiscais, os contribuintes e o Poder Judiciário;

b)  Os problemas no âmbito do contencioso administrativo tributário não serão resolvidos enquanto a finalidade do CARF, sob a ótica de sua formação paritária (com ou sem voto de qualidade), não for unicamente “pro legis”;

c) Necessidade de mudança do viés coercitivo atribuído a administração fazendária no Brasil, abrindo espaço para o “diálogo” entre o contribuinte e o Fisco com a neutralização da sensação de desigualdade entre as partes. 

É evidente que há muitas medidas que precisam ser tomadas para melhorar o macro sistema tributário brasileiro, dentre elas a própria reforma tributária, tão aguardada. No entanto, nada será eficiente ou suficiente se os paradigmas da relação fisco-contribuinte não forem alterados.

Segundo a doutrinadora Luciana Ibiapina Aguiar, adoção da postura “consumer-friendly” por parte das administrações tributárias significa tratar o contribuinte como uma espécie de cliente para o qual presta-se serviços, promovendo educação fiscal, prestando assessoria àqueles que desejem cumprir adequadamente suas obrigações e reservando a força do poder coercitivo para aqueles que de fato escolhem sonegar tributos. É clamorosa a necessidade de mudanças que ensejem maior credibilidade ao nosso sistema fiscal, corroborando os princípios norteadores da governança tributária.

O fim do voto de qualidade e a interferência do Poder Judiciário, que historicamente acaba por eternizar discussões ao invés de resolver situações, só demonstram que esse não é o melhor remédio para o real e relevante problema que os contribuintes enfrentam.

O que o CARF precisa para deixar de ser um Tribunal de passagem é de renovação em sua estrutura e normatização. Já o Poder Judiciário precisa reconhecer que a jurisdição existe no âmbito do Contencioso Administrativo Tributário e não o tratar como mero procedimento de lançamento fiscal.

 

 

 

Referências

AGUIAR, Luciana. Governança Corporativa Tributária: aspectos essenciais. São Paulo Ed. Quartier Latin, 2016.

https://www.academia.edu/21826828/A_GOVERNAN%C3%87A_CORPORATIVA_TRIBUT%C3%81RIA_COMO_REQUISITO_PARA_O_EXERC%C3%8DCIO_DA_ATIVIDADE_EMPRESARIAL, acessado em 24 de setembro de 2020, 20h45

Revista Consultor Jurídico, 7 de janeiro de 2020, 17h17 (acessado em 26 de setembro de 2020).

Site JOTA, 14 de abril de 2020, 15h52 (acessado em 26 de setembro de 2020).

Artigo escrito por:

Bruna Miranda

Bruna Miranda

Advogada na Monteiro e Monteiro Advogados Associados
bruna.miranda@monteiro.adv.br

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